22 Julho 2024, Segunda-feira

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Será que vivemos num tempo sem tempo para sermos humanos?

Será que vivemos num tempo sem tempo para sermos humanos?

Será que vivemos num tempo sem tempo para sermos humanos?

10 Outubro 2023, Terça-feira
Francisco Cantanhede

Fim de tarde de um dia de semana no exterior das chegadas do aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa. Das portas que dão acesso ao exterior, saem turistas em catadupas, fazendo lembrar filmes de Charle Chaplin sobre a produção em série. Uns correm para autocarros, arrastando malas e sacos, outros caminham apressadamente em direção à fila dos táxis. Um dos oito autocarros que enchem o pequeno espaço de estacionamento, rapidamente fica repleto de gente que desejará passar umas tranquilas férias em Portugal. Talvez o estômago já anseie por um peixe grelhado acabado de sair das águas do Atlântico, para os lados de Sesimbra, um cozido à portuguesa, uns pastéis de nata de Belém. Talvez os corpos de pele branca, muito branca, pouco cobertos e os pés protegidos por havaianas desejem mergulhar nas águas atlânticas. Da correria, destaca-se uma criança que resiste à força da mão do adulto que a conduz e deita no lixo um pão de leite quase inteiro.
Ninguém pára, ninguém olha, ninguém vê um vulto com cabelo desgrenhado, barba negra comprida, mãos cobertas de surro também negro- negro é a cor da sua vida- que esgravatam dentro de um caixote de lixo, pés sujos, bem sujos, dentro de chinelos de praia. De vez em quando, o homem olha para um lado e para o outro, como se estivesse a cometer alguma ilegalidade. Sentirá vergonha por estar a tentar matar a fome com os restos da abundância de outros? Vergonha, sentimento alheio àqueles que cometem tantas, mesmo muitas, ilegalidades, contribuindo para a miséria de muitos outros. O farrapo humano encardido parece não ter encontrado nada do que procurava e muda de caixote. Encontra o resto do pão de leite que a criança deitara fora. Olha, com ar de triunfo, e guarda o alimento num pequeno saco.
Um outro homem abranda o passo, repara no vulto, pára, avança em direção ao esfomeado… Quem está por perto, ouve…
-Boa tarde, amigo. (Estende a mão ao vulto em quem ninguém reparara e as duas unem-se num forte aperto.)
– Não sou drogado nem sou ladrão, vivia em Vialonga com a minha mulher, subiram-nos tanto a renda da casa que tivemos de sair. Dormimos os dois aqui no aeroporto.
Esclareceu o vulto humano despojado da casa e da dignidade humana, a que todos os humanos teriam direito, se…
No aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, onde desembarcam milhares de pessoas todos os dias para passar férias em Portugal, no aeroporto de onde levantam aviões repletos de turistas com marcas dos raios solares, no aeroporto onde foram- e continuarão a ser- pagos milhões de euros, por indemnizações, por prémios de produção, por ajudas de custos, por… Só uma pessoa teve tempo para ver um ser humano vítima da ganância de banqueiros. Na União Europeia, os bancos portugueses são dos que pagam juros mais baixos, estão entre os que apresentam maiores lucros.
É preciso encontrarmos tempo e vontade para sermos mais humanos!

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