Ferramenta deve ficar concluída em Setembro e vai contribuir para autarquia sadina “construir melhor os mecanismos para o desenvolvimento” cultural
A cultura é encarada como uma marca de Setúbal e “uma das dimensões mais relevantes” para o concelho. Desde a oferta diferenciadora nos vários equipamentos à aposta na construção de uma cidade de criação artística, são vários os exemplos apresentados por Pedro Pina, vereador da Cultura na Câmara de Setúbal, para justificar tal afirmação.
“Diria que a cultura em Setúbal está num manifesto processo de afirmação. Nos últimos cinco anos temos feito um esforço para inovar e procurar coisas diferenciadoras”, explica. Sobre a resposta do público à oferta cultural, diz que tal “é discutível”, notando que há “uma taxa de ocupação muito grande nos mais diferentes eventos” que desenvolvem.
Quando questionado se está satisfeito com o que têm vindo a ‘construir’, responde “nunca”
poderem “ficar satisfeitos”, uma vez que “é uma condição que pode criar resignação”, apesar de ser “uma das áreas em que se pode traçar uma linha da evolução”.
Ao nível dos investimentos, o autarca sublinha que estes não passam apenas por “apoiar
financeiramente as entidades”. “Temos praticamente todo o nosso património, histórico e cultural, em processo de requalificação ou requalificado”, recorda.
Também intervencionada vai ser A Gráfica – Centro de Criação Artística, por se tratar de um espaço “que tem as suas fragilidades”. “Por isso é que vai sofrer um primeiro grande investimento de aproximadamente meio milhão de euros”.
Quanto a outros espaços ou investimentos, diz que o Plano Estratégico de Cultura de Setúbal, que deverá estar concluído em Setembro, “vai ajudar” nesse sentido. “Aguardamos com grande expectativa. Vai ser um instrumento relevante, que vai ajudar a construir melhor os mecanismos para o desenvolvimento da cultura”.
A cultura no concelho de Setúbal, como a caracteriza?
Considero que o trabalho na área da cultura tem vindo a assumir-se como um dos eixos mais relevantes do panorama da actividade do município. Se recuarmos cinco anos podemos reconhecer que hoje o número de entidades que se vieram a constituir como expressão de trabalho artístico são muito mais.
Quando temos uma cidade que se torna atractiva para os artistas, isso é um indicador que sentem que a cidade lhes proporciona essa condição. Por outro lado, o número de projectos e de eventos que têm vindo a assumir-se como estruturantes no trabalho, na oferta cultural e na programação.
A diversidade pode manifestar-se desde a componente mais popular até à condição mais erudita de um espectáculo mais particular. Diria que a cultura em Setúbal está num manifesto processo de afirmação. A cultura é hoje uma das dimensões mais relevantes e a marca de Setúbal. É uma motivação que nos parece relevante e que ultrapassou as fronteiras do próprio concelho. O estado da cultura é um estado em franco crescimento.
Quais as linhas orientadoras da política cultural que o município procura seguir?
Estamos num processo de construção do Plano Estratégico de Cultura. Sentimos que na cultura, como noutras áreas, não podemos trabalhar por intuição ou impulso. São áreas que a justeza do trabalho que fazemos merecem que se realize um diagnóstico que procura
ir ao encontro das necessidades e daquilo que são as expectativas do público, dos criadores e dos agentes culturais. O município assumiu esta disponibilidade de querer construir uma entidade externa idónea e inequívoca quanto à sua competência nesta matéria. Queremos construir um trabalho e um olhar estratégico, onde todos são parte para a construção desse olhar. Estamos satisfeitos com o processo, que ainda não está concluído. Vai ser
um instrumento muito relevante, que nos vai ajudar a construir ainda melhor os mecanismos para o desenvolvimento da cultura. Diria que em Setembro teremos o processo concluído.
A câmara está satisfeita com o que tem vindo a ‘construir’ ao nível da cultura?
Nunca podemos ficar satisfeitos. A satisfação é uma condição que nos pode criar alguma resignação, mas a cultura é uma das áreas em que podemos traçar uma linha da evolução, nomeadamente naquilo que a cidade hoje proporciona aos munícipes, a quem nos visita e àqueles que da área da cultura fazem a sua vida profissional. E isso é que é o grande desafio que se coloca. A autarquia nunca apoiou tanto financeiramente e nunca investiu tanto na cultura como nos últimos anos. Investir na cultura não é só apoiar financeiramente as entidades. Temos praticamente todo o nosso património, histórico e cultural, em processo de requalificação ou requalificado. Normalmente quando falamos de cultura esquecemo-nos desta componente, mas uma das principais peças do período pré- -manuelino, que é o Convento de Jesus, será devolvida à cidade, ao País e ao mundo já no final deste ano. Depois podemos falar em coisas de ordem mais pequena, como o investimento na requalificação da Casa Luísa Todi ou, em Azeitão, na Casa Memória Joana Luísa e Sebastião da Gama. Se olharmos para o caminho que, em termos dos equipamentos, temos vindo a fazer, dá aquilo que é a aposta da câmara na cultura.
Sobre a definição da programação cultural, quais os critérios seguidos pela câmara?
A câmara tem sempre a preocupação de ter duas dimensões muito fortes na programação. Primeiro perceber o que é que queremos que a cultura transmita. A Gráfica – Centro de Criação Artística é um bom exemplo disso, por ser um espaço que conjuga dois factores
importantes: um espaço de criação e que se constitui como um espaço de fruição. Simultaneamente, onde a identidade cultural tem uma marca própria. Defendemos que programar culturalmente não é necessariamente fazer cultura. Quando construímos uma programação tentamos ter uma preocupação com o tipo de oferta e com o tipo de conteúdo
que queremos passar. O caso de A Gráfica é paradigmático. O caso da Casa da Cultura é também um desses casos. Ou seja, é onde temos uma oferta diferenciadora muito marcada pela qualidade e pela excelência, que responde a públicos que não tinham aquela oferta. No que diz respeito à A Gráfica, também corresponde a um ideário de um pensamento para a cultura que passa pela conjugação e pela interligação de linguagens artísticas. Entendemos que essa componente é relevante para a oferta cultural, não abdicando da
oferta mais formal. Se se abrir a programação do Fórum Luísa Todi, encontra-se a Mariza ou o Camané, a Bárbara Tinoco e muitos outros. É importante porque sabemos que existe um público que procura esse tipo de oferta, mas essa é uma oferta que, sendo financeiramente difícil de programar, é mais fácil no sentido em que é apenas uma questão das escolhas que queremos fazer e dos artistas que queremos convidar. Na outra oferta, em muitos dos trabalhos que fazemos, nomeadamente em A Gráfica, há a preocupação de
envolver a comunidade. Temos vários exemplos onde isso tem acontecido e mesmo projectos que temos vindo a desenvolver que tiveram residências aqui, como, por exemplo, o filme que deu origem ao Fato Macaco ou a performance com Victor Hugo Pontes. São momentos que, podendo não ter uma grande escala, não deixam de ser relevantes para quem neles participam e acreditamos que esse caminho é importante para a construção de uma cidade de criação artística.
Da programação anual, destaca algum evento?
Todos eles cumprem funções distintas. Dos últimos cinco anos, há dois anos em que ficámos muito condicionados e onde a cultura foi uma das áreas mais afectadas. Tentámos fazer tudo o que esteve ao nosso alcance, mas estávamos muito limitados. Isto para dizer que nos últimos cinco anos temos feito um esforço para inovar e procurar coisas diferenciadoras. A MAPS [Mostra de Artes Performativas em Setúbal], que traz uma oferta
diferente e que envolve espaços públicos, como a Baixa de Setúbal. Temos o Filme Fest, que é uma marca de Setúbal e um projecto de grande valor, já várias vezes nomeado para prémios nacionais e internacionais. Outros dois, que não sendo da nossa fornada, fomos nós que tomámos a iniciativa de os colocar na rota da programação, são o EXIB Música e o Língua Terra. Sendo Setúbal uma cidade que ao longo da sua história teve muitos movimentos migratórios, não deixa de ser relevante o projecto Soam as Guitarras.
A resposta do público à oferta cultural é a esperada?
É sempre muito discutível. Podemos avaliar quantitativamente e qualitativamente. Posso-lhe dizer que temos uma taxa de ocupação muito grande nos mais diferentes eventos que desenvolvemos.
Mesmo espectáculos de menor dimensão, como nesta sala [em A Gráfica], que tem capacidade para pouco mais de 40 pessoas, não deixa de ter os seus espectáculos esgotados. Se fizermos esta análise, mesmo em termos nacionais, percebemos que a oferta cultural é muito maior do que a procura e isso é um problema que tem a ver com as necessidades de uma política cultural. Somos um país que até tem feito um esforço muito
grande, com mérito de muitas entidades e das autarquias para a construção de uma oferta cultural, mas depois temos uma cultura que é muito fragilizada.
Mas como se poderia fazer essa reconversão?
Considerando efectivamente que a cultura é uma prioridade para a nossa condição humana. A partir do momento em que não estimulamos as nossas crianças e as nossas
escolas a fazer esse caminho, quando não temos o ensino artístico ou entendemos como uma actividade secundária, seremos sempre um país com muito mais fragilidades. A população consome aquilo que lhe é oferecido com mais facilidade. Algumas destas coisas não lhe é oferecida com essa facilidade e consomem aquilo que abrem na televisão ou no telemóvel e, às vezes, é uma competição um bocadinho difícil de fazer, mas que acho que é possível. Têm de ser muitas entidades a estar envolvidas para esse processo.
Em Setúbal, o que fazem nesse sentido?
Por exemplo, o Festival Internacional de Música de Setúbal é um evento em que a nossa
aposta é um trabalho educativo, onde ninguém fi ca de fora. A APPACDM é uma das entidades mais relevantes em todo este processo. Na programação do Festival de Música de Setúbal, com nomes do panorama nacional, estes não vão cantar sozinhos. Vão ter a Academia Luísa Todi e o Conservatório Regional de Música. São contributos importantes para a formação e para a percepção do que pode ser a cultura. Agora, somos poucos para que a cultura seja assumida no quadro nacional como uma prioridade.
É notório o esforço municipal relativamente a uma criação artística e à captação de espectáculos de nível superior. Este investimento tem compensado à câmara?
Claro. Este investimento é absolutamente fundamental. Tínhamos a necessidade de ter
um espaço em que o artista se sinta com todas as condições. Isso acontece não só com artistas de Setúbal, como com artistas que conseguimos convidar e cativar para hoje estarem aqui em Setúbal ou para vir fazer um projecto a Setúbal porque temos este espaço [A Gráfica]. É um espaço que tem as suas fragilidades e por isso é que vai sofrer agora um primeiro grande investimento de aproximadamente meio milhão de euros.
No que é que consiste esse investimento?
Será um investimento que vai concorrer directamente para duas questões fundamentais, que são as coberturas, isolamento e casas-de-banho, ou seja, apoio à componente artística.
Sobre o Fórum Luísa Todi, qual a filosofia seguida e que resultados têm obtido?
O Fórum Municipal Luísa Todi é uma grande sala de espectáculos que tem uma procura muito maior do que a sua oferta. Temos de saber lidar com essas circunstâncias, mas o Fórum Municipal Luísa Todi cumpre uma função em resultado daquilo que é a sua capacidade. É uma sala em que as características permitem uma programação mais
generalizada, não perdendo esta preocupação de manter, desde a sua abertura, em 2012, uma oferta diferenciada, nomeadamente na área da música clássica. Ter uma oferta diferenciadora faz com que o setubalense ou o azeitonense hoje possa ver no Fórum Municipal Luísa Todi alguns dos artistas que há alguns anos só veria em Lisboa.
Depois também ter a capacidade de olhar para as entidades que têm no fórum o espaço privilegiado para manifestar todo o seu trabalho, como é o caso do Teatro Estúdio Fontenova, do TAS, do Setúbal Voz, do Coral Luísa Todi ou da GATEM.
Ainda sobre equipamentos culturais, são sufi cientes para a procura que existe?
Podemos sempre discutir de vários e diferentes pontos de vista. Acho que o Plano Estratégico de Cultura nos vai ajudar. É importante perceber e olhar para o que temos, como é que o adequamos e o trabalho que fazemos para essas mesmas necessidades. É óbvio que se tivéssemos amanhã a possibilidade de construir um novo teatro que seria importante, mas considerando que os valores envolvidos para a construção de qualquer
equipamento são exorbitantes, tem de ser factor de uma grande análise. O mais fácil é dizer que precisamos de novos espaços.
O mais difícil é olhar para aquilo que temos e perceber como é que podemos adequar. Por exemplo, somos ainda muito preconceituosos em trabalhar o espaço público, ou seja, olhar a cidade como um grande equipamento cultural.
Olhar para determinados espaços que aparentemente não teriam condições para acolher espectáculos e que, se calhar, se podem preparar e adequar para tal. Mas isso não invalida um espaço de trabalho e a Câmara Municipal está empenhada em poder ter aqui um pensamento estratégico para ter mais um espaço na componente da oferta cultural.
A Feira de Sant’Iago é um dos eventos que mais ‘mexe’ com o concelho. Qual a sua importância para a dinamização e promoção da cultura de Setúbal?
A Feira de Sant’Iago é um evento secular que tem vindo a sofrer ao longo de mais de quatro séculos as metamorfoses de qualquer evento com estas características. Cumpre uma função que mais nenhum outro evento pode cumprir. Acho que a Feira de Sant’Iago se assume como um evento marcante no panorama de uma grande manifestação cultural, social, turística e económica.
Do orçamento anual, cerca de três milhões de euros são para a cultura.
É mais, se virmos em termos de investimento. Se falarmos de investimento directo são três
milhões de euros, mas consumando investimento indirecto se calhar estamos a falar em mais do dobro desse valor. Nunca estamos satisfeitos e nunca estarei satisfeito porque acho que precisamos de mais investimento para a cultura, mas é aquele que é possível com todas as dificuldades orçamentais que são conhecidas. Mas é um orçamento que todos os anos tem vindo a subir e é nesse sentido que vamos trabalhar também para 2024.
Como avalia o apoio da Direcção-Geral das Artes nos agentes culturais do concelho?
Negativamente porque, não deixando de ser verdade que temos duas entidades neste momento que são apoiadas pela Direcção-Geral das Artes, também não é menos verdade que temos mais do dobro de outras candidaturas que não foram apoiadas. O País continua a olhar para a cultura como uma componente secundária daquilo que é o seu trabalho. Um país que assim pensa e que tem o investimento que tem, é um país que tem muitas dificuldades em conseguir outras coisas. Por isso é que somos o país da Europa que tem das menores taxas de leitura e a menor taxa de consumo de cultura. Isso tem a ver com a falta de investimento e obviamente que não o qualifico como positivo.
Quais os principais desafios da política cultural, actuais e futuros?
Diria que aguardamos com grande expectativa a questão da conclusão do Plano Estratégico de Cultura. Em nosso entender, vai ser uma ferramenta muito importante, até para podermos corrigir, melhorar e avançar em matérias com uma percepção muito real. Foi um
trabalho praticamente de um ano e isso para nós será absolutamente decisivo para o enquadramento, sabendo que há matérias que não abdicamos, como a de Setúbal ser um espaço de criadores e de criação, porque essa é, de facto, uma marca distintiva.