Para a presidente da Câmara de Almada, a cultura é um dos sectores que têm levado o nome do município a expandir-se no território nacional e também internacional
Seja pelo teatro, festivais de várias expressões musicais e outras artes, o concelho de Almada assume-se como uma referência com um dinamismo desafiante onde diariamente são apresentadas propostas ao público. Além de querer reforçar a aposta cultural através de espectáculos, Inês de Medeiros afirma estar também focada na reabilitação de património local seja ele arqueológico ou o comum edificado, e também na modernização de equipamentos existentes.
Com um orçamento para a Cultura em 2023 de 4 075 100 de euros, a presidente da Câmara de Almada lembra que, em 2017, esta verba rondava os 2 milhões de euros. Portanto, o investimento municipal neste sector tem vindo a crescer “sistematicamente” de ano apara ano. Um investimento “sustentável” que aposta na estratégia em rede e atravessa todas as freguesias do concelho.
Qual a actual estratégia da Câmara de Almada para o sector da Cultura?
Almada tem uma longa e boa tradição de investimento na Cultura, sendo reconhecida nacional e internacionalmente como “capital do teatro”, em grande parte por acolher programações como o Festival Internacional de Almada e o Festival Sementes para o público mais jovem.
Além destes, acolhe eventos como o Festival dos Capuchos – que foi retomado após 20 anos de interrupção -, e a criação da Casa da Cerca – que este ano comemora 30 anos – dois exemplos precursores para a consciencialização a nível nacional da necessidade de políticas municipais de apoio à Cultura de forma sustentada. Nesse sentido, a estratégia da Câmara Municipal de Almada só pode ser uma, não só honrar o seu passado como dar-lhe continuidade reforçando, consolidando, mas também inovando nesta área em permanente mutação.
Além do teatro, Almada tem a ambição de se tornar uma referência incontornável ao nível das artes performativas tendo lançado o Projecto Casa da Dança, como espaço de pesquisa, criação, produção e promoção de coreógrafos e bailarinos.
Ainda no âmbito dos grandes eventos, é marcante o Festival Sol da Caparica que já se posicionou como o terceiro maior festival de música do País. Este ano, além do Sol, que vai de 17 a 20 de Agosto, tivemos pela primeira vez a realização do Sumol Summerfest, a 30 de Junho e 1 de Julho, além de festivais e mostras mais pequenas e dirigidos a públicos específicos como a BO.CA – Bienal de Arte Contemporânea ou o Festival Bluegrass, na Trafaria.
Com programação em todas as freguesias do concelho, temos uma política cultural sustentada que não se faz de pequenos e grandes eventos, importa garantir uma política de apoios regulares, transparente e fiável para que os agentes culturais locais saibam com o que podem contar e assim planear e projetar as suas atividades para além de protocolos como as bandas locais.
No caso do património e museologia o que está a gestão municipal a planear?
No eixo do Património e dos Museus temos orientado a nossa estratégia para a reabilitação dos espaços patrimoniais, como as Covas de Pão e o Convento dos Capuchos e, futuramente, também a Bataria da Raposa e o Museu Vivo da Arte Xávega dedicado aos homens e mulheres que se dedicaram, e dedicam, a esta pesca.
Para a melhoria das exposições nos diferentes espaços museológicos, caso da nova exposição permanente na Casa da Cidade e várias mostras temporárias e também para a organização e gestão das colecções do Museu de Almada e de Arqueologia, foram desenvolvidos protocolos com universidades e centros de investigação para a consolidação do conhecimento de todo o espólio municipal.
De realçar ainda o esforço para revitalizar a investigação arqueológica, com Projectos de Investigação para Almada Velha e, da maior importância, para o Sítio Arqueológica da Quinta do Almaraz, num esforço de projectar este sítio arqueológico, único no contexto ibérico e europeu, para o seu devido lugar após décadas de práticas de gestão pouco eficazes.
As salas de espectáculos existentes no concelho são suficientes?
Há muito que está diagnosticada uma carência real de espaços de espectáculos no concelho face à procura cada vez maior tanto por parte do público como dos criadores, pelo que, além de projectos para a aquisição de espaços, como aconteceu com o auditório na Costa de Caparica, outros têm sido reabilitados como o Salão das Carochas. Há ainda a construção de novos espaços municipais, onde temos feito protocolos com associações e colectividades para a disponibilização de espaços para a comunidade.
Isto significa que, apesar de estarmos muito focados na recuperação e reabilitação de equipamentos culturais, não abandonamos a nossa orientação para valorizar o património, permitindo que Almada seja escolhida para viver, trabalhar, estudar ou visitar.
Em estado desenvolvido estão neste momento os projectos do Museu Vivo da Arte Xávega, o projecto de requalificação do Edifício das Celas, no antigo Presídio da Trafaria. Este último está integrado numa reabilitação mais extensa do antigo presídio, na qual este edifício ocupará uma função museológica com uma forte aposta na arte digital e audiovisual. A Bataria da Raposa, uma fortificação militar integrada no Regimento de Artilharia de Costa que passou recentemente para gestão municipal, e para a qual estamos a avançar com um projecto de reabilitação que prevê, entre outras utilizações de combate a incêndios e segurança, espaços de interpretação museológica.
Qual o enquadramento da salvaguarda do património cultural municipal?
A salvaguarda do património cultural tem marcado grande parte da actuação do município nas últimas décadas. Exemplos dessa política são a aquisição de inúmeros edifícios históricos como a Casa da Cerca e o Solar dos Zagallos, entre outros, e também a recepção de vários vestígios patrimoniais.
Desde o mandato anterior, a câmara tem mantido a orientação de salvaguarda do património cultural, procurando assegurar as condições para a fruição pública de equipamentos municipais; falo de casos como a Bataria da Raposa e os Edifícios das Celas do antigo Presídio da Trafaria, entre outros.
Além disso, é preciso dar uma resposta sustentável a edifícios históricos sem acesso público como o Castelo de Almada e a Torre Velha no programa REVIVE, conjugando, ao mesmo tempo, um grande esforço de recuperação e requalificação de património cultural que foi durante décadas alvo de aquisição sob o princípio da salvaguarda, mas ao qual não foi dado o devido tratamento, conservação ou gestão.
Importa ainda referir que, dentro de pouco tempo, será reaberto o icónico Monumento ao Associativismo, assim como a promoção de novos espaços de arte urbana.
O que está projectado em termos de intervenções de remodelação?
Neste momento estamos a fazer grande esforço para recuperar e requalificar os diversos equipamentos culturais do município que enfrentam diferentes desafios e cuja organização e estado de conservação foram negligenciados durante muitos anos. Temos levado a cabo intervenções de fundo que permitiram devolver a todos os munícipes os seus espaços de oferta e fruição cultural.
Nos últimos anos fizemos intervenções na Biblioteca Central e Fórum Romeu Correia, instalando um novo sistema de climatização e de ventilação, bem como promovendo a reorganização dos depósitos da Biblioteca Central nas Covas de Pão – Museu de Almada com a reabilitação de todo o espaço e inauguração de uma exposição totalmente nova.
Também o Salão das Carochas, depois de intervencionado, passou a proporcionar grande diversidade de programação cultural, tendo já acolhido concertos, cinema, exposições ou conversas.
Outro exemplo são as Salgas Romanas de Cacilhas, já colocadas à fruição pública, e que estão integradas na reabilitação do espaço público da localidade. Entretanto, está em finalização a obra de restauro e reabilitação do Convento dos Capuchos, donde destaco o processo de conservação de património integrado, nomeadamente dos azulejos da Capela, a pintura sobre tela, a Talha do Altar-mor, o Vitral e a Escultura que o edifício acolhe. A estes processos segue-se um conjunto de investimentos na climatização e na melhoria das condições acústicas do Auditório do Convento, de modo a servir cada vez melhor o público e os artistas que aqui se apresentam. Estão ainda programadas intervenções na Casa da Cerca, no Solar dos Zagallos, no Arquivo Histórico – Casa Pargana e na Biblioteca José Saramago.
O concelho definiu uma estratégia em rede do ponto de vista cultural? Como funciona?
A estratégia cultural do município promove o desenvolvimento de várias redes, reflexo também da forte dinâmica cultural e artística do território almadense. Um dos pilares dessa estratégia é o desenvolvimento do Eixo Cultural e Turístico Cacilhas – Cristo Rei.
Esta rede possibilita que quem visita o concelho pode chegar a Cacilhas, de barco, metro ou autocarro, e daí, até ao Cristo Rei, vai encontrar ao longo do percurso uma larga oferta de equipamentos e espaços culturais de excelência.
Este eixo inclui as Salgas Romanas de Cacilhas, a pedonalização da Rua Cândido dos Reis, o Posto de Turismo de Almada, o Ponto de Encontro – Casa da Juventude, o Sítio Arqueológico da Quinta do Almaraz, o Castelo de Almada, as Covas de Pão – Museu de Almada, os Paços do Concelho, a Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea e Jardim Botânico, a Casa Pargana – Arquivo Histórico, o Salão das Carochas, o Teatro Estúdio António-Assunção e o Quarteirão das Artes. Neste eixo está também incluída a reconversão do antigo espaço das piscinas da academia em equipamento cultural.
O conceito de rede está também presente no Museu de Almada, desde a sua génese, que se estrutura de forma polinucleada, tendo como lugar central a Casa da Cidade, na Cova da Piedade, que se estende para as Covas de Pão, em Almada Velha, e para o Museu Naval no Olho de Boi.
Diria ainda que o espírito de programar a oferta cultural em rede, através de todo o território e com vários parceiros, tem sido uma das prioridades desde 2018. Por exemplo, quando decidimos que o “Está Tudo em Festa” – as nossas festas populares – iria apresentar espectáculos em todas as freguesias do concelho, e também quando convertemos o “Sons de Almada Velha” no “Sons de Outono”, mantendo o conceito de música clássica e erudita em espaços religiosos, mas estendendo a sua programação ao longo do nosso território.
Como define a relevância da capacidade criativa do movimento associativo na actividade cultural do concelho?
Quando refiro o dinamismo particular e único do concelho de Almada e das suas gentes, falo do tecido associativo que, através da sua perpétua inquietude, da sua vontade de criar e de questionar, e do seu compromisso com a comunidade, tornam este território num verdadeiro caldeirão cultural em efervescência.
Temos uma longa história e tradição de associativismo cultural, que se iniciou com as nossas colectividades centenárias e que ainda hoje mantêm vivos os seus projectos culturais e, acima de tudo, as suas bandas filarmónicas e fanfarras. O nosso tecido associativo ligado ao teatro, à performance e à dança tem sido também outro pilar desse dinamismo cultural que falava.
Estas associações funcionam como pontos celestes, cada um com a sua própria gravidade e espaço, mas que todos juntos criam um verdadeiro universo cultural e artístico que continua a alimentar aquele que o saudoso Jorge Silva Melo apelidou de “obra-prima, os espectadores de Almada, as pessoas mais calorosas (e numerosas) do teatro, por cá” (jornal Público).
O dinamismo destas associações pode também ser visto, entre Outubro e Novembro, naquela que este ano de 2023 será a 27.ª Mostra de Teatro de Almada.
Muito positivo tem sido também verificar que a diversidade da oferta cultural, graças a estas associações e colectividades, não se circunscreve às freguesias ditas ‘urbanas’, mas estende-se a todos os cantos deste território de muitos: da Ensaios e Diálogos – Associação, na Trafaria, ao Colectivo Porco Voador no Laranjeiro, passando pelo Estuário Colectivo em Cacilhas, pelo Mundo do Espectáculo em Almada, pela Associação Gandaia na Costa da Caparica, pela LifeShaker Associação na Caparica ou pela Academia de Música de Almada na Sobreda. Estes são apenas alguns exemplos de todos aqueles que fazem bater o coração deste grande organismo cultural que é o território do concelho de Almada.
Qual o investimento da Câmara de Almada, a nível da programação, previsto no actual mandato, para a Cultura?
O orçamento inicial do departamento de cultura passou de 1 933 000 euros em 2017 para 4 075 100 de euros em 2023, tendo o investimento municipal para esta área vindo a aumentar sistemática e continuadamente de ano para ano.
Este aumento reflecte uma aposta deste Executivo na Cultura e nas Artes, pois acreditamos que estas servem, não só para o desenvolvimento e aquisição de competência sociais, emocionais e críticas, essenciais para todas e todos, mas também porque cremos na sua capacidade de servir como motor económico, social e urbanístico, capaz de promover o desenvolvimento sustentável do nosso território.
Como disse Sophia de Mello Breyner a propósito da inscrição do direito à cultura na Constituição “a Cultura não existe para enfeitar a vida, mas sim para a transformar para que o homem possa construir e construir-se em consciência, em verdade e liberdade e em justiça”.
A terminar, reafirmo que o concelho de Almada tem o melhor público do País. É altamente interessado e envolvido, solidário com a Cultura e os seus profissionais, e com uma sensibilidade estética e artística fora do comum.
Economia cultural “Insisto na necessidade de se olhar a Cultura como factor de desenvolvimento económico do País”
A presidente da Câmara de Almada fala do recente aumento das verbas vindas do Governo para o sector da Cultura como medida bastante positiva. Inês de Medeiros destaca ainda a decisão para a regularização das carreiras profissionais na área da Cultura.
Como avalia o investimento do Governo nas várias áreas da cultura, e que relevância pode este ter no concelho de Almada?
Avaliamos positivamente o recente aumento do orçamento para a Cultura. Mas insisto na necessidade de olhar para este sector como factor de desenvolvimento económico global do País.
Considero assim muito positivo os passos que têm sido dados para a regularização de carreiras para os profissionais da cultura sejam eles técnicos ou criativos, a consolidação do regime de direitos de autor e conexos, essencial para a criação de uma verdadeira economia cultural, o lançamento de importantes iniciativas e redes de políticas culturais como a Rede de Teatro e Cineteatros Portugueses, a Rede Portuguesa de Arte Contemporânea, a Rede Nacional de Património Imaterial ou o Plano Nacional das Artes, entre outras.
É uma forma diferente de encarar as políticas culturais que já provou ser essencial em muitos dos nossos parceiros europeus e que, infelizmente em Portugal durante demasiado tempo, e sobretudo por parte de uma franja demasiado grande dos decisores políticos portugueses, nestes 50 anos de democracia, foi deliberadamente esquecida. Menorizar por exemplo a existência de um Ministério da Cultura é não entender o quanto o sector é fundamental para o desenvolvimento económico, social e em termos de qualificações do País.