Jovem de 26 anos diz que com “força de vontade e visão estratégica” conseguirá chegar à medalha olímpica em Paris
André Ramos já ‘voou’ para Inglaterra, Canadá, Finlândia, Itália e Espanha, entre tantos outros países, para participar em competições de Boccia, mas foi no Japão que “o terceiro melhor atleta do mundo na modalidade” se sentiu verdadeiramente desafiado.
É que em Tóquio, na sua primeira participação nos Jogos Paralímpicos, o atleta da Associação de Paralisia Cerebral Almada Seixal (APCAS) foi o único português que competiu nos torneios individuais a passar aos quartos de final, tendo alcançado o 4º lugar, posição que conquistou também em equipa, “apesar de ter havido hipóteses de chegar à medalha olímpica”.
“Graças à minha força de vontade, à minha visão estratégica e ao meu querer consegui um lugar em Tóquio, até porque em 2021 estive um bocado em baixo, mas rapidamente melhorei. Não cheguei o ano passado à medalha, mas vai ser em Paris 2024”, ambiciona o jovem de Almada.
Foi a médica fisiatra que, “em 2012/13”, o introduziu no mundo do Boccia. “Indicou-me a APCAS. Um dia fui assistir e gostei, mas até atingir idade para competir era só numa vertente recreativa. Um ano depois comecei a competir a nível nacional”.
Contudo, a forma como joga acabou por ir mudando por ter vindo a perder “alguma motricidade fina”. “Ao início jogava com a mão. Depois pedi para ser reclassificado e consegui em 2015 trocar de BC2 para BC1, na qual já posso jogar com o pé”.
Durante dois anos foi-lhe possível jogar apenas com uma meia, o que “melhorou a capacidade de jogo”, até que se viu ‘obrigado’ a procurar “um sapateiro artesanal para construir um sapato adaptado, para que o lançamento se tornasse quase perfeito”.
A partir daí, tem sido sempre a somar. Em 2018, foi chamado “ao primeiro estágio na Selecção Nacional”, oportunidade que agarrou “com unhas e dentes”. “Tenho dado frutos. Sempre tive o objectivo de representar o meu país. É um grande orgulho estar entre os melhores”.
Paralisia cerebral resultante do parto “só afecta parte motora”
Com a gravidez a ser “sempre saudável”, nada previa que “viria a haver complicações”. Contudo, “o problema que resultou na paralisia cerebral aconteceu durante o parto”. “Estive muito tempo à espera para nascer. A estrutura óssea da minha mãe não permitiu que fizesse uma dilatação completa, o que fez com que ficasse sem oxigénio no cérebro”, explica o jovem, que completou a 22 de Fevereiro o seu 26º aniversário.
“Felizmente – porque há casos bem piores que o meu – só afectou a parte motora, o que quer dizer que as minhas células motoras estão mortas. Por isso é que tenho muitos movi- mentos involuntários e dificuldade em falar”, acrescenta.
O diagnóstico surgiu “passados alguns meses” e, a partir daí, “abriu-se um novo mundo” para os pais de André. “Não é fácil para uns pais perceberem que o seu filho tem uma deficiência. Hoje falo nisto de uma forma natural. Foram muitos anos de terapia, fisioterapia, natação e ginástica”.
A mãe acabou por deixar de trabalhar, tendo sempre apostado no seu desenvolvimento. “Talvez se não tivesse nascido nesta família não seria quem sou hoje. Não tinha as capacidades que tenho. A minha família investiu muito em mim. Hoje, graças à minha mãe, consigo andar”.
Já com a irmã, garante ter uma “ligação inexplicável”. “Sou muito ligado a ela e aos meus três sobrinhos. É difícil de explicar. Adoro tê-los comigo nas competições, porque são o meu pilar”.
No momento de ir para o jardim de infância, André conta que “apenas um colégio privado aceitou a candidatura devido à deficiência”. “Tive uma boa educadora e fi z tudo como as outras crianças”.
O ensino, por sua vez, foi “todo completo no público”, com recurso a um portátil. “A única diferença que tinha era ter mais tempo para os testes e exames”. Terminado o secundário, decidiu tirar um curso profissional como técnico de informática, estando actualmente a trabalhar numa associação de advogados, a dar apoio informático e a fazer a gestão das redes sociais.
No seu dia-a-dia, conta com a ajuda de Ana Mira, sua assistente pessoal através do projecto CAVI. “Hoje já posso ir onde quero e estar com quem quero a qualquer hora do dia. A Ana está comigo desde Fevereiro de 2022, 40 horas por semana”.
Vasto currículo desportivo inclui equitação e natação adaptada
Quando começou a praticar Boccia, o jovem já contava com um vasto currículo na prática desportiva, que incluía equitação e natação adaptada. “Adoro praticar desporto e competir. O meu objectivo é sempre ganhar. Sou bastante competitivo”, confessa.
Em 2018, quando entrou para a Selecção Nacional, o atleta teve “de passar várias temporadas no Porto, sem a família ou assistente”. “Tive de me sujeitar, porque no Porto há mais condições para treinarmos. Não foi fácil porque tive de crescer à pressa, mas não me arrependo”.
Até porque foi graças a oportunidades como esta que hoje é “um atleta de alto rendimento”, estatuto que diz manter “com muito trabalho”. “Treino ao final da tarde, depois do trabalho. Além disso, vou dois dias por semana ao ginásio”.
“Persistente e resiliente” foram os adjectivos utilizados pelo atleta para se definir. “Nunca desisto. Gosto de potenciar a minha capacidade ao máximo. Pode parecer que não, mas o Boccia é bastante exigente. Cada competição demora à volta de dez dias”.
Depois dos Jogos Paralímpicos, a função de assistente de jogo, ou seja, a pessoa que o ajuda “em tudo o que precisar”, foi assumida pelo pai. “É o atleta que nomeia o auxiliar. Tem de ser alguém com quem temos uma relação. Escolhi o meu pai, Manuel Ramos, que está reformado. Já estava pensado há muito tempo”.
O Boccia é, para o jovem, “como se estivesse a escrever uma história”. “Já deixei algumas marcas, mas tenciono deixar muitas mais. O ano passado fui também campeão europeu em equipa e alcancei o 3.o lugar a nível individual. Mais recentemente fui à Taça do Mundo, no Rio de Janeiro, Brasil, onde alcancei a prata a nível de equipas e bronze a nível individual”, descreve.
Nos tempos livres, por sua vez, André gosta de “passear ao ar livre, viajar e andar de bicicleta”. “Quero muito tirar a carta de condução e também quero ir este ano saltar de paraquedas. Gosto de experimentar tudo”.
André Ramos à queima-roupa
Idade: 26 anos
Naturalidade: Almada
Residência: Almada
Área: Desporto (Boccia)
Persistente e resiliente são os adjectivos que se encaixam na perfeição para descrever o jovem que ambiciona tirar a carta de condução e saltar de paraquedas