As conversas são moderadas pela psicóloga Beatriz Franco com organização de Carolina Nunes e Catarina Pinote, técnicas da Divisão de Juventude da Câmara Municipal de Setúbal que se encontram a acompanhar o projecto
Círculo de partilha e entreajuda dirigido a jovens, dos 14 aos 30 anos, para reflexão em torno do indivíduo singular e colectivo e desenvolvimento de ferramentas para lidar melhor com a ansiedade, a angústia, as transformações físicas e emocionais, o trabalho e as relações interpessoais.
Assim se apresenta a iniciativa Bicho de 7 Cabeças, dinamizada pela psicóloga Beatriz Franco e organizada pela Divisão de Juventude da Câmara Municipal de Setúbal.
Teve início em 2021, no seguimento de um ciclo de debates sobre saúde mental realizado em 2019 e 2020 em todas as escolas de Setúbal, na qual a equipa da Divisão de Juventude da Câmara Municipal de Setúbal percebeu que existia uma necessidade cada vez maior em abordar temáticas deste cariz na camada mais jovem.
“Os jovens vinham, depois das sessões, falar com os oradores e comigo e notámos a necessidade que tinham de partilhar, encontrar respostas, perceber com quem podiam falar”, começa por contar Beatriz Franco a O SETUBALENSE.
“A pandemia veio reforçar a necessidade que já sentíamos e quando a Divisão de Juventude me convidou eu aceitei de imediato”, acrescenta.
Carolina Nunes, técnica superior, e Catarina Pinote, assistente técnica, da Divisão de Juventude, partilham que depressa perceberam que “seria necessário algo participativo, inclusivo e informal para dar resposta a esta procura por um local seguro, sem compromissos e de acesso gratuito onde os jovens pudessem desenvolver ferramentas para lidar melhor com diversas situações do quotidiano, promovendo a ideia de que todas as fases da vida nos podem fazer sentir instáveis e ansiosos e que não há vergonha nenhuma nisso”.
Esta ideia é igualmente partilhada pela psicóloga Beatriz Franco: “há que demonstrar que todos temos dias difíceis. A ansiedade é normal, há momentos em que precisamos dela porque no fundo nos mobiliza para a acção. A raiva também, não é errado senti-la, como todas as emoções é para ser sentida. Controlamos o nosso comportamento, não podemos nem devemos tentar controlar as nossas emoções”.
A psicóloga alerta ainda para o facto de que “apesar de estes momentos difíceis serem normais é preciso estar atento aos sinais que nos dizem que podemos não estar a conseguir gerir esse mal-estar sozinhos e precisamos de pedir ajuda. Quanto mais cedo for pedida a ajuda também mais fácil vai ser resolver a situação”.
Ansiedade e relações interpessoais entre os principais temas abordados
As sessões têm como ponto de partida um tema que, indo ao encontro das necessidades dos jovens, avaliadas após o preenchimento de um questionário fornecido pela Divisão de Juventude, suscita o debate e a partilha entre os participantes. A ansiedade e a relação com os outros são dois dos temas mais abordados até agora.
As inscrições são geridas pela Divisão de Juventude, que faz ainda a comunicação e o financiamento das sessões, realizadas aos sábados, quinzenalmente, a partir das 10h30, inicialmente em formato on-line, mas desde Outubro presencialmente no equipamento municipal a Casa do Largo.
Apesar de existir um tema, Beatriz Franco destaca a “liberdade completa para partilha de outros temas ou experiências. As sessões vão sendo guiadas pelas pessoas dentro da sala e na minha opinião é isso que torna o projecto tão interessante”.
No que diz respeito a resultados alcançados até ao momento, a psicóloga partilha que “o Bicho de 7 Cabeças já permitiu a algumas pessoas pedir ajuda a um profissional de saúde mental, olhar para as situações de outra perspectiva e partilhar questões sobre o que sentiam e pensavam com amigos e familiares”.
O feedback recebido tem sido, por isso, “muito positivo. Estamos a trabalhar em termos de sensibilização e sentir que houve algo que mudou claramente é muito bom”.
Segundo dados fornecidos pelas técnicas da Divisão de Juventude, conseguiram chegar, até Julho de 2021, a “33 jovens. Em Outubro, retomámos o formato presencial e até ao final do ano tivemos a participação de 17 jovens diferentes, com média de 8 a 10 jovens por sessão”.
Pandemia traz novo olhar sobre bem-estar psicológico
Nas palavras da psicóloga Beatriz Franco, “este tipo de iniciativas é fundamental por fazer parte de trabalho desenvolvido no sentido da prevenção e promoção de competências”.
“Se apostarmos cada vez mais no trabalho junto da comunidade vamos conseguir prevenir situações mais complexas e consequentemente alcançar melhores resultados. Acredito que os recursos devem ser mobilizados nesse sentido, com psicólogos na comunidade, nas escolas, nos centros de saúde”.
A pandemia trouxe um “novo olhar sobre o mundo, sobre a saúde mental”. “Talvez as pessoas agora compreendam a importância de estarmos bem do ponto de vista psicológico e não apenas físico e olhem a saúde como um todo, como deve ser olhada”, considera, adiantando que espera também “que se comece a olhar mais para as pessoas, para as suas necessidades, bem-estar e esforço”.
“Os bons resultados acontecem quando tudo isto está reunido e é preciso repensar o excesso de foco no resultado, acredito que não é por aí que se começa. O olhar, a compreensão e a empatia sobre o outro permite-nos muito evoluir em todos os sentidos”.
Os jovens estão, de acordo com a sua experiência, “muito sensibilizados para as questões da saúde mental”. “Por vezes acho que se sentem até incompreendidos quando passam por uma situação emocionalmente mais difícil. Para eles, é uma questão muito importante”.
Carolina Nunes e Catarina Pinote registam ainda “um estigma associado à terapia, a consultar um psicólogo ou psiquiatra, que deve ser desconstruído”. “Cada vez existem mais casos de ansiedade e depressão nos jovens, muito exacerbados pela pandemia, e se continuarmos a estigmatizar estas questões estaremos continuamente a alienar os jovens de algumas das melhores ferramentas de promoção de saúde mental: as consultas com especialistas que os possam auxiliar”.
As duas técnicas municipais acreditam, assim, que “apesar de existir ainda um grande caminho a percorrer, grandes passos têm sido dados e o desenvolvimento de iniciativas como o Bicho de 7 Cabeças é um exemplo disso mesmo”.