Todos os dias ensina nas escolas do Ensino Básico do concelho. Quem joga xadrez, tem mais capacidade de aprendizagem
José Henrique Aires de Carvalho, conhecido entre amigos e conhecidos simplesmente por Zé Henrique, está quase há duas décadas à frente do Projecto Dia do Xadrez no 1.º Ciclo, lançado pela Câmara Municipal do Seixal.
O SETUBALENSE encontrou-o na sede do Grupo Desportivo do Cavadas, onde é seccionista há 20 anos, acabara ele de chegar de uma aula de xadrez leccionada à turma do 3.º ano da Escola Básica n.º1 de Foros de Amora.
Zé Henrique nasceu em Lisboa, tendo-se mudado com os pais para a Outra Banda, mais precisamente para o lugar do Cavadas, encravado na antiga freguesia de Arrentela. Tinha, então, quatro anos de idade.
Depois de ter frequentado o ensino escolar, começou a trabalhar na Siderurgia Nacional. Contava, apenas, 16 anos.
De aprendiz de torneiro a professor de xadrez
“Aceitaram-me como aprendiz de torneiro mecânico. Depois de ter passado por todas as fases de aprendizagem, tornei-me um profissional. Trabalhei na Siderurgia 30 anos, de 1975 a 2001, ou seja, até ao fecho das portas daquela grande empresa industrial”, conta.
Caiu na amargura do desemprego até que, em 2003, entra para a Câmara do Seixal. “Primeiro, fui para a Pista de Atletismo Carla Sacramento; depois, fui convidado para fazer parte de um projecto da Divisão de Desporto da autarquia, onde me mantenho até hoje”.
Fala desta fase da sua vida: “É um orgulho para mim, e grande, contribuir para o desenvolvimento intelectual das crianças por meio do ensino do xadrez, o que as ajuda a raciocinar, a calcular riscos e a assumir responsabilidades na tomada de decisões”, afirma com visível satisfação.
Este ano, Zé Henrique tem a seu cargo no ensino do xadrez 43 turmas divididas por 14 estabelecimentos escolares, ou seja, “cerca de nove centenas de crianças de ambos os sexos”.
Debruça-se um pouco sobre o processo pedagógico a que se dedica: “As primeiras duas aulas, são orientadas para a aprendizagem das regras do xadrez. Na terceira, as crianças já manejam as pedras. Quando já conhecedores das regras e mostram à vontade na movimentação das pedras, organizo torneios, para incutir nos miúdos o sentido da responsabilidade.
Entretanto, o ano lectivo culmina com um torneio no qual tomam parte todas as turmas do 1.º ciclo. O de este ano já está agendado: dia 5 de Junho, no Pavilhão Municipal da Torre da Marinha”.
Das regras à movimentação das pedras Segundo o treinador de xadrez (ou professor?), os “alunos aceitam bem as aulas”, embora uma vez por outra, “empurrados pela competitividade, discutam entre si.
O espírito competitivo aumenta à medida que vão adquirindo mais conhecimentos do jogo”, realça Zé Henrique. “Uma das causas da aposta forte da Câmara Municipal neste projecto é o facto de o xadrez impulsionar o desenvolvimento intelectual das crianças, o que lhes permite assimilar mais facilmente as matérias curriculares.
A autarquia acarinha este projecto há 22 anos, facultando um treinador da disciplina aos estabelecimentos escolares”, frisa Zé Henrique, que começou como monitor, mas, nos termos da Lei de Bases, foi “obrigado a tirar o curso de treinador de grau 1, já lá vão uns sete ou oito anos”.
As aulas de xadrez duram 50 minutos, como qualquer outra. “Os alunos que frequentam as lições de xadrez são os melhores das suas turmas, e não por coincidência. São os próprios professores das outras disciplinas que o reconhecem”, comenta Zé Henrique.
“Confirmam, também, que há uma diferença, a nível comportamental, entre os alunos que têm aulas de xadrez e aqueles a quem não foi dada essa oportunidade”, reforça o professor.
Todavia, a finalidade destas aulas “não é criar campeões”, mas popularizar e democratizar o xadrez, “verificado que está o benefício para a evolução intelectual de quem o pratica, neste caso, os escolares do Ensino Básico”
Valor pedagógico Elevar o nível curricular e aprendizagem
José Henrique lamenta que uma recomendação aprovada pelo Parlamento Europeu, a instâncias de Gary Kasparov, ex-campeão mundial da modalidade, não tenha tido eco no nosso país.
“A recomendação visava a introdução, nas escolas dos países da comunidade, do xadrez como disciplina obrigatória. Poderíamos, assim, elevar o nível curricular e reforçar o Desporto Escolar.
Mas, como muitas vezes, os governantes fizeram orelhas moucas a uma medida de indubitável valor pedagógico, que melhoria, por certo, a qualidade do ensino em Portugal”.
Afirma Zé Henrique, baseando-se na sua ampla experiência, que “todas as escolas já deveriam ter um professor de xadrez”, e que “as aulas desta disciplina deveriam passar a trissemanais”.