A aposta deve ser na ferrovia, diz o candidato, que defende a criação de alternativas ao transporte aéreo. E como exemplo aponta ao reforço das “ligações entre o eixo Setúbal-Lisboa-Porto-Vigo e também ao Porto de Sines”
Tem 31 anos, é advogado, natural do Alentejo, mas criado no Seixal, onde viveu até adulto. Actualmente reside em Lisboa. Paulo Muacho é militante do Livre desde a fundação, já foi candidato nas legislativas de 2015, por Setúbal, e 2019, por Lisboa. No mandato 2017-2021, ao abrigo de um acordo entre o Partido Socialista e o Livre, foi eleito deputado municipal em Lisboa.
Porquê o Paulo Muacho como cabeça-de-lista por Setúbal nestas eleições?
No Livre escolhemos os nossos candidatos por primárias abertas, somos o único partido que o faz. Continuamos a acreditar que é o método mais correcto de se escolher os candidatos. Todas as pessoas que consideram ter condições, apresentam-se a essas eleições primárias e, depois, os militantes do Livre e os cidadãos independentes que escolham inscrever-se nas primárias, fazem essa votação. Com base nessas primárias, formámos uma lista com 20 pessoas, com homens e mulheres que são do distrito e que sabem dos seus problemas e que, sobretudo, querem trabalhar para poder resolver esses problemas. É fruto desse resultado que estou a servir como porta-voz deste colectivo.
O partido diz que “a alternativa é ser Livre”. Isso quer dizer exactamente o quê?
Quer dizer várias coisas. E, sobretudo, a forma como o Livre quer posicionar-se nestas eleições: como alternativa séria e credível àquilo que é um falhanço retumbante da “geringonça”. Entre 2015 e 2019 tivemos uma governação do PS, mas assente em acordos assinados com os partidos de esquerda – uma solução que o Livre foi o primeiro partido a defender e consideramos que a apresentação dessa alternativa, em 2015, foi um factor de pressão sobre os outros partidos de esquerda para que essa solução acontecesse. Mas a verdade é que, desde 2019 – algo para o qual o Livre também alertou –, estes partidos de esquerda escolheram não assinar um acordo, negociar tudo na base dos orçamentos e nos casos que iam acontecendo. Obviamente, chegámos a esta situação. Há um orçamento que é chumbado, pela primeira vez na nossa democracia, e temos grandes dúvidas agora de como será a governabilidade futura do País. Por um lado, o PS muito claramente está a pedir uma maioria absoluta, contra aquilo que, no nosso entender, é a vontade das pessoas. As pessoas não querem maiorias absolutas, nem do PS nem do PSD. O PSD apresenta-se como uma alternativa bastante frágil, que, muito provavelmente, terá que ser sustentada na extrema-direita. E podemos estar, a partir do dia 30, num cenário de bloco central, que é também algo indesejável. Por outro lado, o BE e o PCP têm tido uma postura completamente inconstante, entre intransigência nas negociações e vontade de convergência, e não sabemos, depois do dia 30, qual será o posicionamento destes partidos relativamente à governabilidade do País.
E da parte do Livre o que podem os eleitores esperar? Uma esquerda mais moderada?
Não é uma questão de moderação ou de radicalismo. É uma questão de clareza. O voto no Livre, nestas eleições, é o mais claro de todos. Votar no Livre é votar para criar uma maioria de esquerda e, se houver essa maioria, o Livre vai trabalhar para que haja um governo de esquerda, para que haja um orçamento ancorado à esquerda. Com os outros partidos não temos esta clareza. Não sabemos se o BE e o PCP vão ser o BE e o PCP do sectarismo e do ataque constante ao PS, e também não sabemos se o PS será o PS de 2015 da convergência e da geringonça, ou este PS com ilusões de auto-suficiência, e que fala muito abertamente em blocos centrais com o PSD. O voto no Livre é muito claro. Uma maioria de esquerda, um governo de esquerda, um orçamento de esquerda, uma governação de esquerda, para uma legislatura.
Do programa eleitoral, que propostas quer destacar, sobretudo com maior proximidade à região?
O Livre foi um dos primeiros partidos a apresentar o programa eleitoral, que é bastante extenso e pode ser consultado no nosso site. Neste programa, procuramos dar resposta àquilo que entendemos serem as principais crises que o nosso país está a atravessar. Temos a crise ecológica, a crise pandémica, uma crise de habitação muito forte, uma crise social e económica, e nós temos várias propostas para atacar estes problemas. Dou vários exemplos. Portugal é, com o clima que tem, um dos países da Europa ocidental onde se passa mais frio, onde mais pessoas morrem de frio. E isto acontece porque as nossas casas, o edificado, não está isolado, não é energeticamente sustentável. Nós temos uma proposta, que está a ser aplicada em Itália, em que o Estado paga 110% da renovação dos edifícios para esta climatização. É um investimento grande, mas duradouro, e que produz efeitos nos próximos 100 anos. Se quisermos falar das questões sociais, do emprego, o Livre quer colocar o nosso salário mínimo numa rota de crescimento e de desenvolvimento até chegarmos aos 1000 euros no final da legislatura.
Como é que isso pode ser sustentável?
Isso é sustentável da mesma forma que a rota de crescimento dos últimos anos tem sido sustentável. Aliás, o PS agora vem alterar aquilo que tem dito nos últimos anos, e já propõe chegar aos 900 euros em 2026.
O que está a dizer é que a economia real do País aguenta uma subida até 1 000 euros nesse calendário, ou acha que basta decretar e ver os efeitos na competitividade das empresas?
Não, não basta decretar. É preciso, também, haver clareza e estabilidade, os empresários saberem o que vai acontecer nos próximos anos e terem muito claro para o que se devem preparar. Aquilo que temos tido nos últimos anos é uma governação à vista, coisas que aparecerem de última hora, que são feitas em reacção, não há um plano, não há uma visão. Essa questão que coloca é bastante importante, porque toca precisamente nesta questão do desenvolvimento do País. Temos uma visão que é radicalmente oposta à dos outros partidos. A direita tem-nos apresentado um modelo de desenvolvimento assente em salários baixos. Nós somos trabalhadores competentes, mas baratinhos, portanto as empresas podem vir para Portugal. Isto não é um modelo de desenvolvimento que nos interesse, porque nós queremos que os portugueses tenham bons salários e boa qualidade de vida. Não queremos competir com a China ou a Índia, até porque vamos sempre perder nesse campeonato. O PS tem sido muito inconstante e também não se percebe muito bem qual é o modelo de desenvolvimento que quer. O Livre, claramente, quer apostar num modelo de desenvolvimento de uma economia do conhecimento, altamente especializada, altamente produtiva, também, mas com salários altos, ao nível dos salários europeus. É preciso definir este plano e implementá-lo, e isso é que tem faltado. Por isso, Rui Tavares, nos debates em que tem participado, tem lançado este desafio à esquerda. Depois das eleições, vamos trabalhar com o objectivo de, até ao 25 de Abril do próximo ano, termos este modelo de desenvolvimento definido, com participação de todos, com a participação das universidades, dos especialistas de cada área e dos parceiros sociais.
Sobre o facto de a Península de Setúbal integrar a Área Metropolitana de Lisboa, a questão das NUTS, qual é que é o pensamento do Livre?
Temos essa proposta no nosso programa, já tínhamos em 2019, e somos claramente favoráveis a autonomizar a Península de Setúbal na criação de uma nova NUTS, que permita também o acesso a fundos europeus. Efectivamente, há uma grande diferença em termos de desenvolvimento e de coesão social entre a península de Lisboa e a Península de Setúbal. Aliás, nas primeiras reuniões que tivemos com o governo, quando o Livre ainda estava representando na Assembleia da República, foi logo uma das primeiras propostas que sugerimos.
Fala em autonomizar no que toca às NUTS. E no que diz respeito à regionalização? Defendem também que a Península de Setúbal não deve ficar integrada na região de Lisboa?
O Livre é claramente favorável à regionalização, que temos no nosso programa desde a criação do partido. Portugal é um dos únicos países da Europa que não tem nível intermédio de governação. O governo tentou fazer agora esta descentralização de competências, que tem algumas coisas positivas, mas que tem muitas negativas, e a principal é que não é democrática. Ter pessoas que são escolhidas pelos autarcas não é, no nosso entender, a melhor forma de o fazer. Queremos regiões que tenham competências próprias e eleição directa. Isso é o que a Constituição prevê e nós queremos que seja cumprida. Relativamente à definição de cada região, acho que é um debate que deveria ser feito. O Livre não tem uma posição definida sobre a integração, ou não, numa região. Há uma grande ligação da Península de Setúbal à Área Metropolitana de Lisboa [AML], há questões sociais, de transportes e de habitação, que têm influência, e há coisas positivas nessa integração das políticas e em as pessoas da Península de Setúbal terem uma palavra a dizer naquilo que é decidido em Lisboa, no centro da área metropolitana.
Quanto ao aeroporto, qual é a posição do Livre?
O Livre é contra o que tem sido feito pelo governo para o aeroporto, porque coloca em causa um ecossistema único em toda a Europa. Lisboa é a única capital europeia que tem um estuário com estas características. Esta Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) é um bocadinho atirar areia para os olhos, porque vamos estudar as opções que já estão pré-determinadas. O que o Livre defende para a eventual opção de um novo aeroporto é fazer uma AAE alargada a todas as hipóteses.
Isso não é voltar à estaca zero? Andamos há 50 anos a estudar a localização.
O problema é andarmos há 50 anos a estudar e fazê-lo sempre mal. Temos sempre a intromissão dos políticos que querem impor as suas agendas sem terem qualquer tipo de critério técnico. O governo também foi obrigado a recuar e perdemos anos. O problema é que muito dos investimentos que Portugal tem de fazer são sucessivamente adiados. Se mudarmos agora de governo, provavelmente o aeroporto não irá avançar, os outros investimentos não vão avançar.
O programa do Livre inclui uma vertente sobre investimento em infra-estruturas. Quais devem ser as prioridades para o distrito de Setúbal?
Há várias prioridades. O Livre acha que a aposta deve ser claramente pela ferrovia, num contexto de crise climática devemos questionar o transporte aéreo. Não defendemos acabar com ele, porque seria impossível, mas devemos criar alternativas que permitam, por exemplo, reforçar as ligações entre este eixo Setúbal-Lisboa-Porto-Vigo, com ligações ferroviárias. E também ao Porto de Sines, que é fundamental, para fortalecer a economia deste distrito e proteger o equilíbrio ecológico.
Nas últimas eleições o Livre conseguiu entrar na Assembleia da República. Para Setúbal, o que considera um resultado aceitável?
Um bom resultado é conseguirmos reforçar a votação, ter mais votos do que tivemos em 2019. Consideramos que é fundamental este distrito ter uma representação na Assembleia da República que defenda estes valores, da ecologia, do progressismo, da convergência, de uma cultura de diálogo, porque acho que, também, é isso que as pessoas querem. Por isso é que as pessoas do distrito de Setúbal votam sempre maioritariamente à esquerda e querem esse diálogo à esquerda no Parlamento.