A vida pregou-lhe uma má partida, mas não se deixou vencer. Hoje é treinador e já ajudou a lançar atletas de alta competição
No campo do desporto e do Movimento Associativo não há, no concelho do Seixal, e bem para lá dele, quem não conheça Joaquim Maia. Um homem que ficou sem pernas num acidente na Siderurgia Nacional, mas deu a volta à tragédia para ajudar os outros.
Corria a manhã do último dia de 1996. Joaquim Maia, encarregado da secção de sinterização, e outro companheiro de trabalho, não se aperceberam da rápida aproximação de uma locomotiva, enquanto trocavam duas palavras. Um, desviou-se a tempo; o Maia foi apanhado. Os rodados da máquina ceifaram-lhe as duas pernas.
Depois, o que se sabe: primeiros socorros, ambulância, soro, transporte para o Garcia de Orta… “Nunca perdi a consciência, sabia que o meu estado era grave, mas desconhecia ainda que tinha ficado sem as pernas. Doíam-me os pés e os médicos diziam-me a todo o instante para eu ter calma”. Depois, foi transferido para os cuidados intensivos do Hospital Santa Maria, em Lisboa.
Após o choque, a recuperação. “A ajuda da minha namorada, hoje minha mulher, assim como a dos meus pais e irmã, foi fundamental. E também a dos meus amigos, que não pouparam esforços para me apoiar.
Acompanhamento de atletas de alta competição
Estiveram sempre comigo, a incutir-me coragem e esperança”, narra Joaquim Maia.
Adaptou-se de tal maneira à nova situação que adquiriu a capacidade de se movimentar fora do normal. Conduz o seu automóvel e a cadeira de rodas deixou de lhe parecer estanha.
“Como gostava de atletismo, corria em regime de manutenção, mas também joguei futebol, como federado, no Paio Pires e no Seixal. Hoje, no capítulo desportivo, sou técnico de formação. E, como técnico, tive a felicidade de acompanhar atletas de topo, como a Carla Sacramento, Mónica Sousa e Severina Cravid. A filha desta última, que tem 13 anos, é minha pupila, pois também que ser atleta como a mãe”, afirma, sem esconder uma ponta de compreensível orgulho.
Outra sua faceta afirma-se na colaboração com o Departamento de Desporto da Câmara do Seixal, tendo estado no lançamento de iniciativas que marcaram vincadamente o panorama do desporto nacional. “Por exemplo, na Milha Urbana do Seixal ou no Corta-Mato de Amora, provas que chegaram a ser as melhores do País em termos de organização, número e qualidade dos atletas que nelas participaram. Isto já para não falar na Seixalíada, reconhecida como a maior manifestação desportiva a nível nacional. Esta, chegou a registar mais de 20 mil participações em cerca de seis dezenas de modalidades, entre competições, demonstrações e seminários”, salienta Joaquim Maia. São provas que tiveram e continuarão a ter o cunho da capacidade organizativa do popular técnico.
“Os miúdos, quando aparecem para o primeiro treino, apanham um choque. Então este nosso professor de atletismo não tem pernas? Claro, a primeira aula é para descontrair, para nos conhecermos, para os pôr à vontade. Eu digo-lhes: ‘Estou assim, mas sou igual a vocês’. Depressa o gelo se quebra e nasce um clima de empatia”, explica.
O modo de lidar com as crianças
Curiosa também é a explicação que dá aos gaiatos quando estes lhe perguntam como foi que ficou sem as pernas. Atira-lhes com uma mentira pedagógica: “Foi a atravessar uma rua, mesmo em cima da passadeira. Há condutores muito distraídos, temos sempre de ter muita cautela com eles”.
Com a actual pandemia, diz que “o Movimento Associativo está a ser destruído. As colectividades continuam a suportar as mesmas despesas, mas receitas nem vê-las. A pandemia faz grandes estragos a nível da formação de atletas, o que será mais visível daqui a uns anos. Como não há competição, as crianças vão perdendo o interesse pelo treino. E o mesmo, estou em crer, vai acontecer com o ensino. No entanto, eu sou optimista, se não o fosse certamente que não estava hoje aqui. Com as vacinas, as coisas tendem a melhorar, mas muita coisa depende do comportamento social de todos nós”.
Fora das horas de trabalho, Joaquim Maia forma jovens atletas, na Pista Carla Sacramento, onde está colocado como funcionário autárquico, ou no Grupo Desportivo do Cavadas (GDV). Aliás, no GDC, ao longo dos tempos, ocupou todos os cargos directivos. “Agora, sou apenas técnico de atletismo”, esclarece.
“Encaro o futuro com optimismo. Tenho a vida regularizada, a minha mulher e eu temos saúde. Vamos dizer que esta estabilidade económica e emocional nos traz felicidade”, diz um homem a quem se pode, verdadeiramente, chamar campeão.