Saúde privada: o negócio fala sempre mais alto

Saúde privada: o negócio fala sempre mais alto

Saúde privada: o negócio fala sempre mais alto

28 Janeiro 2021, Quinta-feira
Sandra Cunha

Porque a situação que vivemos é de uma gravidade sem precedentes, importa repetir este tema e questionar até à exaustão.

À hora a que escrevo este artigo, registam-se em Portugal 6.472 internados em enfermaria e 765 internados em unidade de cuidados intensivos, 10.765 novos casos de Covid-19 e mais 291 mortos a lamentar.

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Somos atualmente o país da Europa com mais casos e mais mortes por milhão de habitantes. Lideramos também com a maior taxa de contágio no mundo.

Vivemos em Portugal o que vimos noutros países durante a primeira vaga da pandemia. As televisões e a imprensa escrita dão conta de cenários inimagináveis em todos os hospitais do país. Filas intermináveis de ambulâncias carregadas de doentes que esperam horas para dar entrada nas urgências. Hospitais sem vagas, médicos e enfermeiros esgotados, relatos desesperados de profissionais de saúde que não conseguem atender todos os que precisam, utentes incrédulos com o ambiente de guerra que testemunham nos corredores das urgências e nas salas de triagem. Hospitais de campanha montados à pressa em equipamentos desportivos onde se pressente o frio e a solidão.

A capacidade do SNS foi atingida e em demasiados casos ultrapassada. O Hospital Garcia de Horta em Almada, por exemplo, está a funcionar a mais de 300% da sua capacidade. Muitos mais o acompanham.

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O cenário é tão dantesco que, no último debate no parlamento, a Ministra da Saúde Marta Temido fez um apelo desesperado aos portugueses e portuguesas: “Ajudem-nos! Ajudem-nos todos!”

Perante a dureza destes números e a crueza das mortes, não se percebe a resistência do governo em ativar o instrumento, previsto no Estado de Emergência, que permitiria aliviar a pressão sobre o SNS e que é a requisição civil dos privados da saúde. Permitiria, certamente tratar melhor e quem sabe salvar mais algumas vidas.

Na primeira vaga, os privados puseram-se de fora e recusaram receber doentes Covid. Recambiaram grávidas com covid para o SNS. Entre os vários argumentos, diz-se que não teriam os sistemas de ventilação necessários e adaptados ao tratamento de doentes Covid. Mas tinham, e têm, camas para doentes menos graves e profissionais de saúde competentes. O que lhes falta mesmo é a vontade de contribuir a preço de custo. Nesta segunda vaga, talvez numa tentativa de aplacar a indignação social ou limpar a imagem, “ofereceram” ajuda ao SNS e ao país. O contributo, afinal, resumiu-se à contratualização de 80 camas para doentes Covid e 800 para doentes não-Covid. Das 11.300 camas e cerca de 20 mil profissionais, os privados contribuíram com 8% da sua capacidade. No privado, o negócio fala sempre mais alto.

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Mesmo assim, a resposta à pergunta incessantemente colocada ao governo sobre a necessidade de chamar os privados ao esforço, António Costa responde que ainda não é hora.

Ao invés, a solução que o governo pondera é a de pedir ajuda internacional e exportar doentes covid. Quão poderoso terá de ser o lobby dos privados na saúde para que o governo resista estoicamente, contra todas as evidências e contra a urgência das mortes, e escolha mandar doentes covid para além-fronteiras em vez de contratar e requisitar os recursos existentes no país?

 

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