As crianças são o futuro, mas que futuro terão as crianças?

As crianças são o futuro, mas que futuro terão as crianças?

As crianças são o futuro, mas que futuro terão as crianças?

10 Dezembro 2020, Quinta-feira
Sandra Cunha

É fácil esquecer grupos específicos da população quando se elaboram políticas públicas e formulam medidas de combate a uma crise pandémica global, abrangente, com consequências a vários níveis da vida em sociedade. Um dos grupos frequentemente esquecidos é o das crianças. Não integram o mercado de trabalho, não são profissionais de saúde, não são os consumidores diretos de grande parte dos serviços e comércio. Não organizam protestos ou manifestações. Permanecem invisíveis e silenciosas e adaptam-se como podem às mudanças e às medidas que os adultos tomam em seu nome. Afinal, todos conhecemos a capacidade de adaptação e a plasticidade das crianças, assim como a sua dificuldade em se fazerem ouvir.

A consequência desta falta de voz é um manancial de medidas de proteção sanitária e de combate à Covid-19 que tem ignorado as necessidades específicas das crianças e limitado o seu livre, harmonioso e salutar desenvolvimento físico, mental e emocional.

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As medidas temporárias já duram há quase um ano, o que pode ser muito tempo na vida de uma criança.

Ao serem diminuídas as oportunidades de brincar, nos recreios escolares, creches e jardins de infância ou nos parques infantis interditados em praticamente todos os municípios do país, as crianças foram e continuam a ser privadas do desejável contacto com outras crianças, do desenvolvimento do sentimento do coletivo ou de valores como a solidariedade e a partilha – veja-se a recente decisão de suspensão de um aluno por partilhar o lanche com um colega.

Não é difícil perceber que, ao limitamos as atividades extracurriculares e o tempo de brincadeira fora de casa, aumentamos o isolamento, o sedentarismo e o tempo de exposição a ecrãs e isso traz consequências devastadores nas competências motoras, sociais e emocionais das crianças.

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Já existem, aliás, vários estudos que comprovam o elevado risco de deterioração do desenvolvimento das crianças em confinamento e isolamento e que apontam para alterações psicológicas, em que os sentimentos mais comuns são os de preocupação, desamparo e medo, para além de registarem episódios frequentes de insónia, tédio e tristeza.

Esses mesmos estudos sugerem a elaboração de conteúdos informativos sobre a doença especificamente orientados para as crianças que permitiam uma melhor compreensão das medidas restritivas e de proteção da saúde pública e a opção por medidas que permitam a não diluição das relações socioafetivas das crianças, devendo as mesmas ser encorajadas a manter a comunicação e a interação com amigos e familiares.

Vários países já adotaram medidas neste sentido, desde a emissão de diretivas nas escolas que permitam às crianças passarem o maior tempo possível no exterior (ou em espaços contíguos à escola, fechando e reservando o seu uso para o efeito), a medidas de higienização realizadas por entidades municipais nos espaços públicos utilizados por crianças em detrimento da sua interdição.

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São exigentes os desafios que se colocam nesta época epidémica que atravessamos, mas esses desafios poderão crescer exponencialmente se o que tivermos para ensinar às crianças for o medo da utilização do espaço público, a desconfiança, o individualismo e o policiamento do outro. Assim, cabe ao governo português incluir nos grupos de especialistas de elaboração das medidas de combate à pandemia, à semelhança do que já fazem tantos outros países, entidades representativas dos direitos e proteção das crianças.

Não basta apregoar que as crianças são o futuro. Importa garantir que esse futuro é possível e saudável.

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