O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), José Ornelas Carvalho, disse que o racismo surge do querer “domesticar” o outro aos seus próprios interesses.
Na conferência de imprensa sobre a Assembleia Plenária da CEP, que elegeu José Ornelas Carvalho, bispo de Setúbal, para novo presidente da organização adiantou que as manifestações que se estão a assistir contra o racismo “têm sempre razão de ser”.
“A exclusão do diferente e a imposição do unanimismo é próprio de todas as ditaduras que assumem tantas formas em tantas partes do mundo. O racismo é a imposição da minha perspetiva de ser gente a outros que são diferentes de mim. Isso é pretensamente apresentado como uma missão cultural e civilizacional. Fomos formados numa ideologia em que estamos a defender a fé e o império. Falar de uma realidade diferente que quero domesticar e reduzir aos meus interesses vai ter sempre como consequências movimentos deste tipo”, admitiu o bispo de Setúbal.
José Ornelas Carvalho considerou ainda que “a luta contra a discriminação, qualquer que ela seja – racial, económica ou cultural – tem de ser constante”.
“O evangelho apresentado como forma de união de todos das diversas culturas e línguas deste planeta é um projeto novo, mas não significa submeter ao imperialismo de alguém, mas criar possibilidade de todos, na sua diferença, [a estarem num] mundo multicolor”, reforçou.
O presidente da CEP recordou que Portugal teve a sua “capacidade de mestiçagem”, ao contribuir para a criação de “línguas e culturas crioulas, culturas mestiças”.
“Mas, por outro lado, fomos criando diferenças e estratificações nessa diversidade e isso não é um fenómeno simplesmente do passado. É algo que pode continuar também hoje. Daí que ‘dar coração’ a uma globalização significa globalizar tudo e não nivelar tudo. É contar com as diferenças de cada um para construir um mundo que verdadeiramente seja de todos. É esse mundo que acredito”, adiantou.
José Ornelas Carvalho considerou ainda que a atos como a vandalização de estátuas, como sucedeu com a do padre António Vieira, são “exageros”.
“Não posso mudar o passado, devo saber o que honro com estes símbolos, mas o tempo não volta para trás. O que me interessa é entender hoje a realidade que vivemos e saber identificar sem medo o que nós somos. A nossa leitura da história, tantas vezes enviesada por esta vista só do nosso lado, não está vista do lado daqueles que sofreram os efeitos dessa história”, realçou.
De acordo com a fonte do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP (Cometlis), no dia 11 de junho, “houve uma projeção de tinta” vermelha sobre as figuras do Padre António Vieira e de três crianças, que compõem o conjunto de esculturas, tendo sido escrita a palavra “Descoloniza” na base do monumento.
Os danos em monumentos configuram crime público, disse o responsável da PSP de Lisboa, adiantando que o processo será agora reencaminhado ao Ministério Público.
Instalada no Largo Trindade Coelho, próximo da zona do Bairro Alto, a instalação da estátua do Padre António Vieira resultou de uma parceria entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Santa Casa da Misericórdia, cuja sede se localiza naquele largo.
No seguimento a morte do norte-americano George Floyd e das manifestações que se lhe seguiram, vários monumentos têm sido vandalizados e derrubados em cidades dos Estados Unidos, mas também na Europa, por serem associados ao racismo e a períodos da escravatura por alguns movimentos.
Lusa