Alexandre Almas e António Silva aguardam hoje o resultado do último teste, já realizado em Portugal, no Hospital Garcia de Orta
A chegada de Alexandre Almas e António Silva, a Portugal foi momento de “respirar em segurança” depois de 28 dias em quarentena dentro de uma cabine do navio cruzeiro Costa Atlântica, da empresa internacional Carnival Cruise Line, que estava de escala em Nagasaki, no Japão, quando 158 membros de uma tripulação de 623 foram diagnosticados com Covid-19.
Os residentes na Cova da Piedade e Laranjeiro, respectivamente, são os últimos de uma equipa de seis profissionais, contratados a partir de Portugal para trabalhar neste navio. Entre os outros membros da equipa, que já estavam em Portugal, constam também residentes de Sesimbra e Setúbal.
Alexandre e António aguardam agora o novo resultado do teste à Covid-19, realizado ontem no Hospital Garcia de Orta e que confirmará a sua situação clínica.
O electricista e o manobrador, embarcaram no cruzeiro a 25 de Fevereiro, para integrar um projecto que testava um sistema novo antipoluição e nunca imaginaram que desfecho deste desafio profissional seria o confinamento, com pouco acesso a informação e no caso de Alexandre, sem cuidados médicos presenciais e que lhe deixa um sentimento de “revolta”.
“Só dentro do navio passamos quase um mês, eu e o outro colega, cada um na sua cabine, com o tamanho médio de um quarto, mas poucas condições de higiene para nos acolher 24 sobre 24 horas e onde durante todo esse tempo ninguém entrou para fazer desinfecção”, recordou Alexandre ontem, à chegada a Setúbal, em breve entrevista a O SETUBALENSE.
Alexandre não teve sintomas, e do ponto de vista físico recuperou da Covid-19 “com estabilidade e, à partida, sem sequelas”, refere. Mas, “do ponto de vista emocional” sente que foi tratado “como se fosse descartável” e a sua vida “fosse um número”. Não pelo representante do Governo português que, refere, “sempre os acompanhou”, mas por todos os outros intervenientes nesta situação.
Alexandre esteve sempre assintomático, e nem mesmo chegou a tomar “qualquer medicação, disseram que sem sintomas não era preciso”. Era ele mesmo quem media a sua temperatura e enviava os números através da aplicação WhatsApp para o médico, com quem falou apenas “duas vezes, ao telefone”. Na outra cabine o seu colega apresentou sintomas. “Teve febre, tosse e dores musculares e chegou a ser visto pelo médico”.
Pouca higiene e má alimentação
Nos primeiros dias Alexandre assume que “as coisas até correram menos mal”. A cozinha e outros serviços do navio ainda estavam a funcionar e ainda foi possível “comer algumas refeições quentes e receber roupa limpa”. Depois, com 40 funcionários da cozinha infectados com Covid-19 “a nossa situação alimentar degradou-se consideravelmente, especialmente para duas pessoas debilitadas fisicamente”. Alexandre não esquece “o arroz com bichos, fritos a quase todas as refeições e tudo sempre frio”.
Ao longo de quase um mês as condições de higiene também se degradaram com o navio a alojar mais de 150 infectados. Tinham duas mudas de lençóis e três tolhas cada um. “Álcool em líquido ou gel nunca tivemos e apenas nos foi dado um desinfectante para limpar a casa de banho porque exigimos várias vezes”, revela Alexandre.
Um produto que dizem “tinha o rótulo em japonês, que não foi traduzido por ninguém” e, portanto, desconhecem se terá ou não efeitos sobre a sua saúde. “O que sabemos é que o produto em contacto com qualquer superfície deixava tudo baço, oxidado”.
Armador escondeu contágio no navio
À meia noite de 21 de Abril começou o confinamento no Costa Atlântica, que havia aportado em Nagasaki. “A quarentena foi decretada por juiz japonês quando já estavam mais de 40 pessoas isoladas nos seus quartos com Covid-19, sem que a tripulação e os outos passageiros soubessem, porque o armador escondeu”, acusa Alexandre Almas.
Depois de 28 dias encerrados, ele e o colega apenas tiveram autorização para sair no domingo, “despejados para o aeroporto, de regresso a Portugal”.