Bruno Costa voltou a assediar várias mulheres. Mensagens de cariz sexual, ameaças de morte e risco de incumprimento de medidas de coacção deixam vítimas em pânico. Tribunal de Almada não avança datas para novas audiências
As agressões mais antigas de Bruno Costa a mulheres residentes no Barreiro, com registo na PSP e GNR “são de 2012, as últimas de 2018, mas haverá mais”, conta João Silva um dos fundadores da Associação Contra a Violência de Género-Barreiro, criada para apoiar as dezenas de vítimas de Bruno Costa, a nível jurídico e psicológico. “Os casos mais graves são de tentativa de violação, ameaças de morte e ofensas graves à integridade física”. Haverá mais agressões por registar e outras foram arquivadas, “mas o número actual de mulheres chamadas a depor no Tribunal de Almada em 2019 era 30”, afirma João Silva.
Na passada semana, o homem de 33 anos, diagnosticado com esquizofrenia, que já chegou a ser apelidado de “Monstro do Barreiro”, voltou a contactar uma das vítimas através das redes sociais, com ameaças à integridade física e assédio sexual. Mas, hoje (6), O SETUBALENSE tomou conhecimento de mais situações ocorridas nas últimas semanas. Mas, a maior parte das mulheres não estão a denunciar o assédio. Consideram que “de nada vai adiantar, porque as autoridades não podem fazer nada”.
Maria (nome fictício) tem 20 anos e dois filhos, e as últimas mensagens que recebeu de Bruno Costa “têm assédio explicito”. Mas, ano passado, recebeu outras, “com comentários racistas” dirigidos aos filhos.
Maria apresentou queixa na PSP do Barreiro, mas segundo explica a O SETUBALENSE “os próprios agentes dizem-se cansados da situação e que nada podem fazer sem flagrante”. A vítima, que reside próximo ao Tribunal do Barreiro, onde Bruno Costa também residia até 2019, diz que a falta de respostas “tem levado muitas mulheres a não prosseguirem com as queixas e outros casos acabam por ser arquivados”, como o seu.
Quase um ano depois de a última audiência do caso ter sido desmarcada, Bruno Costa não voltou a ser visto no Barreiro “e parece estar, finalmente, a cumprir as medidas de coação que o Ministério Público aplicou depois de a Polícia Judiciária agarrar no caso: proibição de circular nos concelhos do Barreiro e Moita e Termo de Identidade e Residência com apresentações diárias no posto da GNR de Fronteira (distrito de Portalegre), onde está a viver com a mãe”, comenta Paula Costa, também fundadora da Associação Contra a Violência de Género-Barreiro.
Marta Silva nunca apresentou queixa
Marta Silva, tem 23 anos e a primeira vez que sentiu na pele o assédio de Bruno Costa foi em 2013. “Tinha por hábito acompanhar uma colega, que todos os dias passeava o animal de estimação próximo ao Tribunal do Barreiro. E na época o Bruno passou algumas vezes por nós, assobiou e disse piropos ordinários”, recorda Marta.
Algum tempo depois, Bruno Costa abordou a amiga de Marta na rua e “atirou-lhe água oxigenada para os olhos, mas nenhuma queixa foi apresentada às autoridades”. A jovem aponta inclusive relatos de outras mulheres “a quem o Bruno terá atirado o próprio sémen ao passar na rua”.
Em 2018, Marta começou também a receber mensagens de assédio, através das redes sociais. “Ele sabe onde eu moro e não sei como, porque nunca coloquei essa informação pública. Sabe, inclusive, quem são os meus familiares”.
Com o retomar destes assédios, Paula da Costa e João Silva temem que comecem a surgir novos casos e questionam “quando as audiências vão ser retomadas no Tribunal de Almada?”.
Em contacto com algumas mulheres que sofreram agressões verbais e físicas por parte de Bruno Costa e até hoje aguardam por respostas da Justiça, Paula Costa e João Silva afirmam que “há um sentimento geral de impotência, especialmente porque as medidas de coação são demasiado brandas, tendo em conta a gravidade das queixas e o risco para as vítimas”.
João Silva, também foi ameaçado de morte por Bruno Costa e aponta algumas características do seu comportamento. “No decorrer das audiências [em 2019], podemos contactar com um acusado que assume os seus actos e considera que tem direito a agredir mulheres. Para além disso, o Bruno considera que eu não deveria defender mulheres porque, no seu entender, elas são inferiores aos homens”, comenta.
Paula Costa considera que este é claramente um caso onde “toda a rede de apoio familiar e médica falhou, até o Bruno se tornar o agressor que hoje conhecemos, com uma situação clínica totalmente descontrolada que coloca em risco dezenas de mulheres”. E, agora, “falha a justiça, que já devia ter decretado um internamento compulsivo, para terapia prolongada em regime fechado”.
O SETUBALENSE contactou o tribunal com o objetivo de saber se já haveria data para nova audiência, uma vez que as trinta vítimas chamadas e apresentar testemunho ainda não foram ouvidas na totalidade. Mas até ao fecho desta edição não foi possível obter resposta.
Caso único no país
Em Outubro de 2018, a PJ iniciou investigações, alerta sobre a possibilidade de dezenas de casos de agressões estarem relacionados, após as televisões tornarem público o caso de Marta Sofia. No dia 28 de Setembro, a jovem foi perseguida por um homem desde o Barreiro até Lisboa e acabou por ser espancada dentro de um prédio, na zona do Chiado Apresentada queixa, feita a descrição, as autoridades concluiram tratar-se de um novo ataque de Bruno Costa.
Num primeiro momento, Vitor Paiva, director Departamento de Investigação Criminal (DIC) da Polícia Judiciária de Setúbal chegou a apontar a possibilidade de existirem mais de 60 queixas e de as agressões se estenderem por mais de uma década, num caso único no país, sem precedentes.
APAV aponta falta de resposta da Saúde e da Justiça
Balbina Silva, gestora do Gabinete de Apoio à Vítima de Setúbal, integrado na Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, também destaca Bruno Costa como “um caso único no país, no âmbito do qual não se percebe porque não são aplicadas medida de coação mais graves, dado o enorme risco para as vítimas e a probabilidade de o agressor cometer outros actos, contra outras jovens mulheres”.
A representante do GAV Setúbal refere ainda falhas graves na “falta de cruzamento de dados entre as autoridades e que terá levado ao arrastar de todos estes casos, por tantos anos”.
Balbina Costa questiona ainda que respostas médicas estão a ser ponderadas, “para além de pontuais internamentos compulsivos que, segundo sabemos, têm sido de curta duração e ineficazes para tratar o Bruno”. Um caso que refere como exemplo “do quanto a rede de apoio à doença mental falha”.
A maior parte dos casos de doença mental relacionada com violência que o GAV Setúbal acompanha “estão relacionados com consumo de álcool e drogas, que acabou por ter consequências para os abusadores, mas há também muitos casos de doença mental isolada”.
De 17 de Março até 26 de Abril o GAV Setúbal acompanhou 104 vítimas de violência no distrito de Setúbal. “Destes casos, 104 são referentes a mulheres e 11 a homens”. No que diz respeito a faixas etárias, “45% estão entre os 35 e os 55 anos” e “50% são referentes só o concelho de Setúbal”.