“É impossível desligar [da equipa] depois de tanto tempo e tantas batalhas que travámos juntos”, diz o defesa que joga agora na Turquia.
O defesa Vasco Fernandes chegou ao Vitória FC em 2016 e, sem que nada o fizesse prever, deixou o clube no início da presente época para rumar aos turcos do Umraniyespor. Numa entrevista concedida ao jornal O Setubalense, o ex-capitão dos sadinos, de 33 anos, revelou que deixar o Bonfim “foi umas das decisões mais difíceis que tomei nos 16 anos que levo de carreira desportiva”.
A 12 de Agosto jogou na 1.ª jornada pelo Vitória diante do Tondela. Passados três dias, sem que nada o fizesse prever, fez um vídeo a anunciar a sua saída do clube…
Foi tão inesperado que não falei com a minha mãe! Jogámos no fim-de-semana, o mister Sandro (Mendes) deu-nos folga no dia seguinte e treinámos depois disso. Cheguei ao balneário e tinha o telemóvel inundado de mensagens e chamadas. Devolvi a chamada para esse amigo, um empresário turco, que me disse que tinha uma proposta da Turquia e tinha de decidir de imediato. Agradeci, mas disse que não aceitava porque era só um ano de contrato. Insistiram e ofereceram-me dois anos de contrato. Foi de um dia para o outro. Falei com o presidente [Vítor Hugo Valente], despedi-me dos meus colegas, fiz o vídeo para os adeptos, fiz as malas e arranquei.
Foi sozinho?
Sim.
Por estar a iniciar a sua quarta época no Vitória, clube que capitaneava, foi uma decisão difícil?
Foi umas das decisões mais difíceis que tomei nos 16 anos que levo de carreira desportiva. Além de ter mudado completamente a minha vida, deixei um grupo de trabalho espetacular e pessoas que me ajudaram desde o primeiro momento em que cheguei ao Vitória: o mister José Couceiro, o presidente Fernando Oliveira, todos os funcionários e colegas com quem joguei em quatro épocas. No entanto, pelas condições financeiras, era uma oportunidade única que não podia desperdiçar.
Mantém contacto com os ex-colegas do Vitória?
Sim. Falo com o capitão José Semedo e o Zequinha. Também costumo falar com o Artur Jorge e com o Sílvio. É impossível desligar depois de tanto tempo e tantas batalhas que travámos juntos.
E o Nuno Pinto? Muitas pessoas recordam a forma como apoiou o seu colega quando lhe foi diagnosticado o linfoma… Como viu o regresso do jogador aos relvados depois de recuperar da doença?
Foi super emocionante vê-lo regressar em pleno no jogo da Taça de Portugal em que ganhámos (risos), ou melhor, ganharam [n.d.r.: 5-0 ao Águias do Moradal a 20 de outubro]. Foi marcante. Como vemos agora o Nuno no ativo, esquecemo-nos um pouco daquilo por que passou, das dificuldades que teve e da capacidade de superação que teve de ter para estar de volta. Para mim, o Nuno Pinto é uma das referências do clube, onde continua de pedra e cal passadas cinco épocas. Tenho a certeza que vai acabar a carreira no Vitória, por tudo o que fez, merece-o.
Como tem acompanhado à distância a campanha do Vitória em 2019/20?
Está a ser excepcional, mas confesso que não é nenhuma surpresa. O segredo do clube é o balneário, os jogadores e os seus líderes: o capitão Semedo, o Artur Jorge, o Sílvio, o Nuno Pinto, o Zequinha. Não é fácil. Falamos de um clube que nos últimos três anos teve três presidentes, quatro treinadores e existem momentos de instabilidade. Só com o balneário como o que há e os adeptos que o clube tem, que estão sempre com a equipa, é que é possível.
Consegue eleger os momentos mais marcantes que viveu no clube entre 2016/17 e 2019/20?
Lembro-me de dois momentos marcantes: o jogo em casa com o Tondela há duas épocas em que conseguimos a permanência na última jornada e na última temporada, em Chaves, em que também festejamos a manutenção. Foram momentos positivos e de grande dificuldade em os setubalenses e vitorianos disseram presente.
Artur Jorge, que foi seu colega no centro da defesa, confessou recentemente o sonho de representar a Selecção nacional. Acha que tem condições para lá chegar?
Estou muito contente e orgulhoso pelo nível que o Artur (Jorge) conseguiu atingir. Quando chegou a Setúbal jogou poucos jogos nos primeiros meses e, um ano depois, evoluiu de forma incrível. Está ainda muito a tempo de chegar a outros patamares. Tem qualidade humana e futebolística para lá chegar, sem dúvida.
«Momento actual leva-nos a pensar no que é realmente importante na vida»
Coimo estão a correr as coisas no Umraniyespor, clube da 2.ª divisão da Turquia?
Começámos muito bem e elevámos as expectativas. Nas primeiras seis, sete jornadas andámos nos primeiros dois lugares. A realidade é que o clube está há quatro anos nesta categoria, onde nunca antes tinha estado nas competições profissionais. Lutamos contra clubes com história que passaram anos na 1.ª Liga turca e têm estádios com 30 e 40 mil espectadores. Não é fácil lutar de igual para igual. Sempre fui ambicioso, mas a idade e a experiência levam-me a ser ponderado e realista. O objectivo tem de ser procurar entrar nos primeiros seis lugares que dão acesso ao play-off. Seria um êxito muito grande chegar lá se tivermos em conta que há clubes na 2.ª divisão turca que pagam o que pagam os grandes em Portugal. Quando retomar o campeonato, pensamos terminar em duas, três semanas. Faltam cinco ou seis jogos e a ideia é jogar aos sábados e quartas. Acho que estão a pensar terminar a meio de junho com jogos à porta fechada
Pelo que observa aí no país, como está a Turquia a viver a pandemia da Covid-19?
Pelas informações que chegam as coisas aqui estão como na maior parte dos países do mundo. Está tudo fechado à excepção dos hospitais, farmácias e supermercados. Procuro ter muito cuidado e estou sempre em casa. Só saio para ir ao supermercado e para me deslocar ao ginásio na academia do clube, voltando logo para casa. Vou ao supermercado de cinco em cinco dias. Tenho a sorte de ter um mesmo por baixo do condomínio onde vivo. Todas as pessoas usam máscaras e luvas e mantêm uma distância de segurança bastante considerável. Os turcos são respeitadores.
O que retira do momento que e vive?
É um período complicadíssimo e leva-nos a repensar quais devem ser as nossas prioridades e o que é realmente importante nesta vida. Numa situação destas constatamos que somos todos iguais: não há cores, etnias, religiões nem estatutos sociais. Pode ser que com esta pandemia consigamos todos refletir e avaliar o que é realmente importante neste mundo.
Já cozinhava ou teve de começar agora a aplicar-se na cozinha?
Antes almoçava no refeitório da academia. Agora cozinho eu e não é novidade para mim. Tinha ido para França com 17 anos, estive em Salamanca… já tinha estado sozinho antes e já cozinhava.
Arroz com bife?
(Risos) Não me peçam para fazer uma açorda de marisco, mas faço uns bifinhos com cogumelos, umas batatas gratinadas no forno. Ninguém fica mal servido (risos).
Do que hábitos portugueses sente mais falta?
Aqui come-se muito bem, mas sinto falta da comida, de um café de máquina português. Aqui há Starbucks, mas não é a mesma coisa. Sinto falta das pessoas. Muitas vezes não damos valor ao que somos e ao país que temos. Somos um país fantástico e acolhemos como ninguém. Já vivi em seis países diferentes e já corri a Europa toda e ninguém recebe como nós. Temos um clima e gastronomia que mais ninguém tem. Somos um país riquíssimo e muitas vezes não damos o devido valor por vivermos nele dia-a-dia.