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A Pandemia De Que Ninguém Parecia Estar à Espera

A Pandemia De Que Ninguém Parecia Estar à Espera

A Pandemia De Que Ninguém Parecia Estar à Espera

7 Abril 2020, Terça-feira
Arlindo Mota - Presidente da UNISETI e docente universitário

Os países asiáticos, e em especial a China, onde a pandemia começou, parecem estar a obter mais êxito na sua contenção e mitigação, o que tem originado um olhar atento às eventuais causas desse fenómeno. Um observador privilegiado, porque nasceu na Coreia do Sul e veio com 20 anos para a Europa (Alemanha) onde fez toda a sua formação superior (é Professor Universitário em Berlim) é Byung-Chull Han, o conceituado filósofo, autor do célebre ensaio a Sociedade do Cansaço.

O autor referia aí que “apesar do medo descomunal de uma pandemia gripal” não vivemos presentemente na época viral. A sua análise revelou-se premonitória mas, infelizmente, infundada: o novo coronavírus aí está para o desmentir. Mas não é altura de elucubrações teóricas num momento em que todos somos chamados a controlar uma epidemia em transmissão acelerada. É, sobretudo o momento de agir. Por isso, as palavras de Byung-Chull Han publicadas há três semanas e meia em alguns jornais de referência, são as de um observador privilegiado com um conhecimento profundo tanto da Ásia como da Europa.

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Resulta dessa análise que os países da Europa (a que podemos acrescentar os EUA), apesar de ter tido um tempo suplementar, não soube adoptar as melhores práticas no combate à pandemia. O drama que vem assolando a Espanha, a Itália (agora também os Estados Unidos), levanta questões que se reportam a diferenças culturais fundamentais: em particular as que se prendem com a definição da esfera privada, cá e lá: na Ásia, tanto na China, Hong Kong, Taiwan, Singapura é assunto de escassa relevância; mesmo no Japão e Coreia do Sul, é comum “uma mentalidade autoritária, que vem de sua tradição cultural (o confucionismo)”.

Foi assim, com naturalidade, que nestas sociedades que vivem a era digital de forma avassaladora, que se deu o recurso a uma severa vigilância digital: pode afirmar-se que na Ásia o combate à epidemia engloba agora para além dos tradicionais actores do combate sanitário, juntam-se os informáticos e especialistas em Big Data (macro dados). Isto corresponde a uma mudança de paradigma e, afirma Byung, a Europa não se apercebeu desta mudança, o que poderia ter salvo milhares de vidas humanas.

A China é um caso extremo, e dificilmente aceite no Ocidente. Lá existem centenas de milhares de câmaras de vigilância, muitas delas dotadas da capacidade de reconhecimento facial. Foi assim relativamente fácil às autoridades chinesas vigiarem o movimento dos seus cidadãos para ajudar a conter a epidemia.

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Ou seja, a combinação entre uma mentalidade fortemente autoritária e o recurso ilimitado aos dados digitais (com a colaboração, sem restrições à partilha de dados, por parte das operadoras de telecomunicações, ignorando a esfera privada dos cidadãos) revelou-se extremamente eficaz no combate à contenção da epidemia.

Veremos como a Europa pós-pandémica, cuja democracia tem um dos seus pilares democráticos assente na privacidade de dados pessoais, vai reagir, periclitante e ferida como está nas suas certezas. Haverá espaço ainda para configurar as novas sociedades democráticas sem a captura excessiva dos seus direitos fundamentais?

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, Mestre em Sociologia
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