Ambulância especial da Cruz Vermelha transportou 25 casos em 20 dias, desde Santiago do Cacém a Caldas da Rainha. Em breve pode ficar sem profissionais para a conduzirem
Uma ambulância da Cruz Vermelha que percorre todo o distrito, inclui uma unidade modular de isolamento para transporte de doentes com infecção Covid-19. Nos últimos 20 dias, esta unidade transportou, pelo menos, 25 casos da região com fortes suspeitas de Covid-19 e pelo menos três mortos, de casos suspeitos de Lisboa. Mas, nas próximas semanas, esta ambulância especial, uma das dez que a Cruz Vermelha tem disponíveis em todo o país, pode ficar sem ninguém para a operar.
António Caiado, coordenador da delegação de Setúbal da Cruz Vermelha, lança um apelo à população. “Nós estamos a fazer o nosso trabalho, façam também a vossa parte e fiquem em casa”. Porque se o cenário de Itália e Espanha se confirmar em Portugal, com infecções e quarentenas de muitos profissionais da saúde, o cenário será de colapso, “com profissionais afastados do combate e sem voluntários nacionais ou internacionais disponíveis”.
O também técnico de emergência do INEM avalia dados referentes ao crescimento das infecções Covid-19 causadas pelo vírus Sars-Cov 2 nesses países e quando compara as curvas de crescimento com o cenário epidémico em Portugal, admite “é tudo muito idêntico”.
António Caiado recorda. “Em Espanha, só na sexta-feira, registaram-se 600 mortes. O que nos leva a pensar que não podemos alcançar números próximos? E que podemos passear na rua, com toda a normalidade?”.
As perspectivas de crescimento da Covid-19 na região, avançadas na passada semana a O SETUBALENSE por José Santos Ferreira, director clínico do Hospital da Luz Setúbal, indicam, como pior cenário, 12 mil setubalenses infectados. Ou seja, 10% da população do concelho. Destes, mais de mil precisariam de cuidados hospitalares e pelo menos 100 de cuidados intensivos com ventilação. Aplicado a todos os concelhos da península, o cenário de índice de infecção de 10%, levaria a uma estimativa de 77 mil casos na primeira onda e na segunda, a grande maioria ligeiros.
É provável que este cenário nunca se concretize, mas, reforça António Caiado, “só pode ser evitado com o devido isolamento das populações a cumprirem as medidas impostas pelo Governo”.
Os números recentes em Portugal, levam António Caiado a considerar que, “o Serviço Nacional de Saúde [SNS] está em colapso há várias semanas”. E, quando chegar o pico da Covid-19, apontado agora para Maio, “teremos as equipas médicas do SNS completamente exaustas”.
O coordenador lança também uma reflexão para o futuro. “Nos hospitais, os serviços de urgência geral têm agora menos pessoas a aguardar consulta, o que nos leva a reflectir sobre a forma consciente como usávamos o SNS antes desta epidemia”. Afinal, “quantos casos diários eram recebidos nos hospitais e podiam ser tratados em unidades de saúde familiar?”.
Equipamentos de protecção a preço de ouro
Quanto aos materiais que os hospitais e centros de saúde de Setúbal, Almada e Barreiro, têm referido estar em falta, António Caiado afirma que, “na Cruz Vermelha não têm faltado”. Mas, a situação é alarmante, porque a especulação em torno da compra de luvas, fatos especiais, álcool gel, e máscaras FP2 “é inacreditável e tudo está 10 vezes mais caro”.
Para o Sindicato dos Médicos da Zona Sul (SMZS) e Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEF), os equipamentos foram, desde o início da epidemia, “um problema central”. Cada vez mais caros e insuficientes, a sua falta “coloca em risco médicos, enfermeiros e auxiliares do São Bernardo, Nossa Senhora Rosário e Garcia de Orta”.
Os mesmos profissionais, em Janeiro, alertaram a Administração Regional da Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) sobre o desaparecimento de stocks hospitalares, “após denúncias de vários profissionais dos hospitais Garcia de Orta, Nossa Senhora do Rosário e São Bernardo”. E sobre a necessidade de mais profissionais, dando como exemplos Espanha e Itália. No entanto, “durante meses prevaleceu o silêncio”.
A 24 de Março, O SETUBALENSE questionou a ARSLVT sobre estas questões. Aguarda resposta até ao momento.
Frente a frente com vírus
A unidade modular de isolamento “vai onde for enviada pelo Comando Distrital De Operações De Socorro (CDOS) de Setúbal e já teve dias em que chegou até às Caldas da Rainha”. A bordo da ambulância da Cruz Vermelha, dentro da “cela”, na unidade modular de isolamento, não há lugar para hesitações ou erros. “Tudo é medido ao milímetro”, explica António Caiado.
“Os diagnósticos são realizados com a distância recomendada”. Depois, se houver suspeita de Covid-19, o profissional em contacto com o paciente veste o equipamento total. Na frente da ambulância, totalmente isolado, segue o condutor. “Este apenas pode entrar na unidade em caso de emergência”, porque na chegada ao hospital é ele quem faz a inscrição do doente e o contacto com a triagem.