Marcelo, «o museu Salazar» e a História

Marcelo, «o museu Salazar» e a História

Marcelo, «o museu Salazar» e a História

15 Outubro 2019, Terça-feira
Francisco Cantanhede - Professor
Francisco Cantanhede – Professor

 

Recentemente, no âmbito das cerimónias evocativas do inicio da II Guerra Mundial, realizadas em Varsóvia, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, apelou ao ensino da II Guerra Mundial, afirmando que «devemos revisitar a catástrofe de há 80 anos para não repetir os erros desse pretérito imperfeito.» Talvez na próxima comemoração do 25 de Abril de 1974, o Senhor Presidente da República faça um discurso inspirado no que foi lido em Varsóvia, substituindo a II Guerra Mundial pela Guerra Colonial. Obviamente, em defesa da democracia, espera-se que esse discurso não tenha lugar no «Museu Salazar» ou no «Centro Interpretativo do Estado Novo», como passou o tal museu a ser designado após a polémica surgida nas redes sociais e na comunicação social, o que terá levado a Assembleia da República a tomar posição aprovando um voto contra.

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A História não deve ficar fechada em baús, deve ser aprendida no local próprio: as salas de aula, nomeadamente através do confronto de fontes. Esta estratégia nem sempre é aplicável devido aos cortes efetuados na carga horária atribuída à disciplina de História. Por vezes, nem o «Estado Novo» e o 25 de Abril são abordados com profundidade, já que os 150 minutos definidos para a lecionação semanal de História, aquando da aprovação do atual programa da disciplina no início dos anos noventa, foram-se sumindo no tempo (por ação dos governos de António Guterres e de António Costa), passando, em quase todas as escolas, a 100 ou mesmo 90 minutos semanais. Talvez Marcelo Rebelo de Sousa pudesse exercer a sua influência junto do atual Governo a fim de ser possível os alunos aprenderem com consistência o que foi a II Guerra Mundial, o «Estado Novo», não esquecendo a Guerra Colonial, e o 25 de abril de 1974.

Se o senhor Presidente da Câmara Municipal de Santa Comba Dão avançar para a criação do «museu Salazar», dedicado ao «filho da terra», ou do «Centro Interpretativo do Estado Novo», localizado na cantina escola Salazar, na avenida Dr. António de Oliveira Salazar, em Santa Comba Dão, deixam-se algumas sugestões de documentos que lá poderão constar. Como o equilíbrio das contas públicas, conseguido através do aumento dos impostos e da redução dos salários dos funcionários públicos -não se surpreenda caro leitor que a magia já vem de longe- as obras públicas e os cofres do Estado cheios de barras de ouro- algumas sujas de sangue judeu, já que foi com o ouro espoliado que Hitler pagou o volfrâmio e produtos alimentares a Salazar-  são apresentados por certos historiadores e pelos apoiantes do ditador como a bandeira do seu «Estado Novo», pois então devem constar no «Museu Salazar» ou no dito centro: – imagens dessas obras lado a lado com fotos de crianças a comerem do mesmo prato como porcos da gamela, algures para os lados da serra da Estrela; – fotos de crianças descalças em pleno inverno que percorriam muitos quilómetros sobre gelo para chegarem à escola, outras guardando gado ou trabalhando na agricultura, e algumas mendigando nas ruas de Lisboa até Salazar ter proibido a mendicidade; – gráfico com o número de emigrantes. Ao lado do cartaz intitulado «Portugal não é um País pequeno», em que os territórios do império português são comparados com a dimensão de vários países europeus, deverão aparecer os números de militares portugueses, de guerrilheiros e também de populares mortos na Guerra colonial e imagens dos pais, mães, namoradas, mulheres, filhos a despedirem-se dos homens que partiam para África. A ilustrar textos de Salazar sobre a ordem nas ruas, de que o ditador tanto se orgulhava, sugere-se que sejam afixados relatos de presos políticos torturados pela polícia política. E se a avenida Dr. António de Oliveira Salazar fosse dividida em duas partes, atribuindo-se a uma delas o nome de Humberto Delgado, acompanhado da informação sobre o responsável pela sua morte?

Se estas sugestões forem contempladas, quem visitar o museu ou o dito centro ficará com uma ideia mais clara de um dos períodos mais negros da História de Portugal.

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