O Navegante abriu as portas de autocarros, comboios, metros e barcos, de Mafra a Setúbal. Mas a solução ideal do transporte público ainda não está completamente nos carris em todos os concelhos da AML
20 minutos e sete quilómetros separam o Barreiro de Lisboa, em linha recta pelo rio Tejo. O concelho tinha tudo a ganhar com o Navegante a abrir as portas da Soflusa, mas três meses depois da sua entrada em vigor, 14 mil passageiros passageiros continuam dependentes do labirinto da falta de oferta na margem sul.
No balanço do primeiro trimestre do passe social Navegante, o Barreiro surge como caso mais problemático da Área Metropolitana de Lisboa, por culpa do falhanço da Soflusa.
Não obstante a situação do Barreiro, hoje cerca de 1 milhão de passageiros circulam entre a margem sul e a margem norte de Lisboa por apenas 40 euros por mês. E, no balanço do primeiro trimestre do Navegante, a Área Metropolitana de Lisboa (AML) anuncia uma “grande adesão”, considerando o novo passe como “a maior alteração tarifária das últimas décadas, desde a criação do Passe Social em 1977”.
Prova do sucesso são os 900 mil residentes alcançados na AML e a “redução significativa do preço dos títulos de transportes para a generalidade dos 550 000 passes vendidos, e média, mensalmente”, revela a AML.
Aplaudido na península de Setúbal, o Navegante circula, mas os passageiros da Fertagus, CP, TST e Transtejo/Soflusa ainda esperam o aumento de 30% na cobertura de redes, prometido pelo Governo no âmbito da Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa.
Na Moita, a elevada procura da Carreira 333 que liga a localidade de Vale da Amoreira ao Parque das Nações, foi resolvida do modo mais célere possível pela TST, com o aumento da frequência horária.
Uma questão que dependia apenas do ajustamento de carreiras rodoviárias à procura, tal como se verificou necessário em Setúbal e Palmela.
Já no Barreiro as ligações ao Seixal continuam, “tal como nas últimas décadas, insuficientes, ou quase inexistentes”, alega a CUTPMS.
Os autocarros TST, TCB não circulam directamente entre os dois concelhos, sendo necessários transbordos, com horários desfasados entre si. E no serviço ferroviário repte-se o contexto, com a CP e a Fertagus a circular sem horários conjugados.
Quanto ao transporte público fluvial, este poderia ser o grande trunfo do concelho do Barreiro, mas a falta de embarcações e mestres tem deixado, desde 10 de Maio, milhares de utentes em terra. A Solflusa destaca-se, de longe, como o operador mais faltoso entre todos os da AML e mancha o desempenho dos transportes públicos no Barreiro. O concelho, único em que o operador fluvial é exclusivamente a Soflusa, ganha o rotulo de mais mal-servido nas ligações a Lisboa por barco.
68 dias de supressões e 13 de paralisação total
Com 68 dias de perturbações na circulação dos catamarãs da Soflusa, 13 de greve total, autarcas e utentes despertaram para uma realidade adormecida. “Este é o único serviço de transporte público directo, entre o Barreiro e Lisboa. Porque tanto os serviços rodoviários como ferroviários funcionam triangulados com outras ligações no acesso à capital”, reforça a CUTPMS.
Para a Comissão de Utentes esta realidade andava oculta. “E, agora sim podemos ver o quanto faz falta uma solução entre concelhos”. Quanto à solução, a comissão lança o desafio, “poderia passar pelo alargamento da rede Metro Sul do Tejo”.
O alerta para o possível colapso da Soflusa surgiu em 2018. Quando o Navegante ainda vinha longe, já o Relatório de Fiscalização à empresa Soflusa, realizado pela Autoridade da Mobilidade e dos Transportes indicava uma relação entre a falta de embarcações e a falta de pessoal “preocupante”.
À época a empresa precisaria de “21 mestres para manter a circulação regular de carreiras nos horários previstos”. Hoje a empresa tem apenas 16 mestres nos quadros e precisa de 24 para responder ao aumento de 7% de passageiros.
“Navegante não é a causa dos problemas da Soflusa”
“A medida que foi tomada com o Navegante é estruturante não só para o Barreiro mas para toda a AML”, afirma Frederico Rosa na celebração do primeiro trimestre do novo passe social.
Para o autarca é notório que tenham sido “integrados todos os modos de transporte e que o esforço no orçamento das famílias tenha sido reduzido”, explica.
Quanto aos constrangimentos de transporte público no Barreiro, nomeadamente a partir das sucessivas paralisações da Soflusa, realizadas desde 10 de Maio, Frederico Rosa aponta que “são muito impactantes para a população do Barreiro, sem dúvida e têm que ser resolvidos o mais rápido possível, contudo já existiam antes do Navegante chegar e estão ligados à falta de recursos da empresa”, exclarece.
Se a Soflusa está sem investimento do Governo e da administração “há muitos anos”, sendo essa a causa do seu colapso, para o autarca o sucesso do transporte público rodoviário no Barreiro é notório. Com uma nova frota “até ao final de 2019, os Transportes Colectivos do Barreiro terão 60 autocarros movidos a gás comprimido”.
Estas condições levam Frederico a avançar um plano de novas ligações rodoviárias aos concelhos limítrofes, “com probabilidade de acontecer já a partir do próximo ano”. Planos que deixam o Barreiro mais próximo da Moita, Seixal e Sesimbra.
Navegante apressado trouxe caos ao transporte público
Em resposta à entrada em vigor do passe social Navegante o deputado do PSD, Bruno Vitorino, descreve o balanço do primeiro trimestre com uma palavra: “caos”.
Um caos que vai além da Soflusa e chega “à CP, TST e no metro, e mesmo pela Fertagus, prejudicando diariamente milhares de utentes, que passaram a ver diariamente suprimidas carreiras, a ter atrasos constantes, com qualidade reduzida a viajar de pé, e em piores condições de segurança”, aponta.
Para o também vereador da Câmara Municipal do Barreiro, o passe social foi colocado em vigor a 1 de Abril pelo Governo PS com “ânsia eleitoralista” e sem “acautelar a quantidade e a qualidade da oferta, sabendo que iria haver um aumento significativo da procura”.
Greves da Soflusa levam barreirenses ao desemprego
No contexto municipal, o vereador Paulo Fernandes, defende um Navegante que foi “aceite rapidamente por toda a população”. Um contexto em que a renovação da frota dos Transportes Colectivos do Barreiro foi “essencial”, representando “uma mais-valia para a mobilidade, economia das famílias e protecção do ambiente, com a redução do uso do transporte particular”.
Este é “um avanço civilizacional” que o vereador gostaria de ver “estendido a todo o país”. Mas não nega que, no contexto intermunicipal, “a situação é complicada para o Barreiro”.
Os problemas causados pela crise labora na Soflusa, com ou sem Navegante, “têm prejudicado milhares de barreirenses. Inclusive com casos de despedimento, porque, devido às sucessivas greves dos mestres muitos passageiros não conseguem cumprir os seus horários de trabalho”, revela.
A crise e as soluções, no seu parecer, nunca dependeram do Navegante. “Dependem da recuperação do desinvestimento do Governo na Soflusa”, aponta. “Sendo urgente a aquisição de novos barcos e a contracção célere de ais mestres”, medidas que “não estão a ser tomadas com a rapidez devida”.