Há frases que repetimos sem pensar. E esta é a mais insistente de Dezembro: “Este ano vai ser diferente.”
Dizemo-la com esperança — muitas vezes uma esperança cansada, que precisa de acreditar que desta vez algo vai mesmo mudar. Mas essa frase pode ser uma armadilha. Não porque a mudança seja impossível, mas porque tantas vezes serve para evitar algo mais difícil: sentir.
No fim do ano, o mundo exige entusiasmo, mas nem toda a gente está feliz. Há quem chegue a Dezembro como quem termina uma maratona emocional. E quando alguém diz “este ano vai ser diferente”, está muitas vezes a pedir ao futuro uma salvação que não chega. Mas, o inconsciente não funciona só por vontade — funciona por história. O calendário muda, mas os padrões emocionais não mudam sozinhos.
A passagem de ano cria a ilusão de “reset”, como se o dia 1 de Janeiro tivesse poderes especiais. Mas por dentro, o que carregamos — feridas, medos, desejos, defesas — não reconhece a data. O que reconhece é o que se repete. Mudamos de pessoa, de casa ou de trabalho, mas reencontramos o mesmo padrão. Não por fraqueza, mas porque repetimos o que um dia nos ajudou a sobreviver. O familiar, mesmo doloroso, protege-nos do desconhecido.
Há uma pressa nesta época em “dar a volta”: listas, metas, ginásio, rotinas novas. Nada disto é errado. Mas precisamos de perguntar: isto é desejo… ou é fuga? Às vezes, é apenas uma forma elegante de não olhar para aquilo que falhou, para a perda, para a solidão, para a verdade íntima: há coisas que não se resolvem à força.
E o que não é vivido, volta. O que não é sentido, repete-se.
Outra armadilha é acreditar num “eu melhor” que resolverá tudo. Esse ideal exige perfeição e transforma a vida num castigo: quando não cumprimos a promessa — como quase toda a gente — nasce a culpa. E a culpa também repete.
Então, como pode um ano ser realmente diferente?
Talvez a pergunta não seja “o que vou fazer?”, mas “o que ainda não consegui olhar e cuidar?” A mudança começa quando criamos espaço interno para nomear o que está escondido: aceitar cansaço, reconhecer tristezas, compreender a repetição, olhar para as relações, pedir ajuda, parar de fingir. Isso, sim, transforma.
O que nos prende não é falta de vontade — é falta de escuta.
E quando começamos a ouvir-nos com verdade, o ano muda.
Não por magia. Mas por encontro.
O futuro não salva. Mas pode abrir uma porta — se tiver coragem de olhar para aquilo que carrega.
Dra. Dina Cardoso
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Psicanalítica