O feito de Marie Louise destaca-se como um marco na história da emancipação feminina da região
A cidade de Setúbal pode orgulhar-se de celebrar hoje, o centenário de Marie Louise, uma figura ímpar cuja vida é um hino à resiliência, ao pioneirismo e ao amor pela família. Com uma vida, que se estende por um século de transformações profundas, é um testemunho vivo de resiliência, um farol de pioneirismo e um pilar inabalável de amor pela família.
Entre os muitos feitos que pontuam a longa existência, existe um que se destaca como um verdadeiro marco na história da emancipação feminina da região: Marie Louise foi a primeira mulher a obter a carta de condução no Distrito de Setúbal. Este feito, alcançado aos 21 anos, em 1946, que hoje pode parecer trivial, foi um gesto de modernidade numa época em que o papel da mulher era rigidamente circunscrito aos limites do lar e da sociedade conservadora.
Esta conquista, muito além de uma vitória pessoal, tornou-se um símbolo de autonomia e independência, inspirando gerações de mulheres setubalenses a desafiar as normas e a procurar o seu lugar além das expectativas sociais. O espírito audaz e inovador de Marie Louise é, em parte, uma herança familiar. A sua história em Portugal começa com a chegada do pai, François Trévidic, um jovem bretão que se tornou uma figura central no panorama do empreendedorismo setubalense. François Trévidic não só se estabeleceu na cidade, como criou raízes profundas, fundando negócios de sucesso que se tornaram sinónimos da identidade económica de Setúbal.

A família Trévidic marcou a indústria local com a produção de conservas, um setor vital para a economia da cidade ligada ao rio Sado, sendo que mais tarde destacaram-se também com as reputadas Ostras do Sado, um empreendimento que sublinhava a ligação intrínseca da família aos recursos naturais e à tradição marítima da região. Marie Louise cresceu neste ambiente de visão e inovação absorvendo os princípios e valores que a prepararam para a vida notável que viria a ter.
Nascida numa época anterior ao 25 de Abril, Marie Louise estudou no Colégio Francês e formou-se mais tarde na Escola Comercial. Esta formação permitiu-lhe desempenhar funções administrativas ao lado do pai.

Recorda os passeios culturais na baixa setubalense
A vida de Marie Louise é um espelho da evolução de Setúbal, desde a cidade piscatória e industrial até à metrópole moderna. Relembra o Clube Naval Setubalense, ponto de encontro da sociedade e local de convívio à beira Sado. O entretenimento passava também pela sétima arte, com o cinema Casino Setubalense a servir de palco para as grandes produções da época.
Era na Avenida Luísa Todi, o coração da cidade, onde a família se reunia ocasionalmente para assistir aos concertos das bandas filarmónicas locais no coreto, num ritual social que unia a comunidade. Estes locais, que hoje testemunham novas realidades, foram o cenário da sua formação e dos primeiros anos de vida adulta, ligando-a de forma indissociável à memória coletiva da cidade. Se o seu pioneirismo é um legado para a história de Setúbal, a sua maior celebração é a sua vasta e unida família. Marie Louise é a matriarca de quatro gerações, um pilar de afeto e sabedoria que irradia estabilidade e amor. Com dois filhos, quatro netos e cinco bisnetos, ela personifica a força dos laços familiares e a continuidade da vida. A sua longevidade, vivida com intensidade e propósito, é a prova de uma vida plena.
O seu papel como guardiã das memórias e dos valores familiares é inestimável. É na transmissão da sua experiência, da sua resiliência perante os desafios de um século e do seu espírito pioneiro que reside a sua maior contribuição. A celebração dos seus 100 anos é, por tudo isto, mais do que um aniversário. É um momento de reconhecimento da sua contribuição para a história de Setúbal e, em particular, para a história das mulheres setubalenses.