Dores Meira admite conversações informais e que falou com Fernando José, sobre um acordo para garantir estabilidade no executivo da Câmara. Mas lembra que já governou em maioria relativa. Na Assembleia Municipal considera “difícil” um entendimento. E assume que Setúbal tem de sair da AMRS. “Não se justifica a existência da associação. André Martins foi também um flop na AMRS”, atira
Na primeira grande entrevista concedida a O SETUBALENSE e à Rádio Popular FM depois de eleita presidente da Câmara Municipal de Setúbal – a tomada de posse acontecerá na próxima quinta-feira –, Maria das Dores Meira “abre o livro”.
Diz-se disposta a trabalhar com todos no executivo. Mas, a solução para garantir estabilidade governativa passa pelo PS, com quem admite já ter encetado conversações informais. Considera que já não se justifica a existência da Associação de Municípios da Região de Setúbal (AMRS), assume que a instalação da Comunidade Intermunicipal é prioridade, tal como a situação financeira e organização da autarquia. E lamenta a “campanha suja” de que diz ter sido alvo. Arrasa André Martins e a CDU, e não poupa críticas a O SETUBALENSE.
O que sente, cerca de duas semanas depois de ter vencido a eleição para a Câmara Municipal de Setúbal e quando estamos a poucos dias da tomada de posse?
Foi uma grande vitória, foi uma vitória do acreditar, da confiança, de saber o que é que esperam de mim. As pessoas sabem o que esperam de mim. Teria sido maior se, de facto, não estivéssemos perante uma campanha tão escura, tão negra, tão mentirosa, tão baixa, tão suja. Não fora isto, a vitória seria outra, as nossas juntas de freguesia estariam também neste momento connosco, embora tenhamos obtido excelentes resultados, a muito pouco de podermos alcançar essa vitória, mas é assim, o povo decide, isto é cultura democrática.
Mas o que sente hoje?
Uma grande alegria. E, em relação às juntas, alguma tristeza. Um sabor agridoce, porque foi uma grande vitória, mas com as pessoas das juntas de freguesia, de facto, a população de Setúbal iria ver os excelentes candidatos que ali estavam e o excelente trabalho que iam fazer. Essas pessoas continuam neste grande movimento, vão fazer um grande trabalho nas juntas de freguesia, na oposição, como tem de ser. A cultura democrática é assim, uns perdem, outros ganham, portanto, nas juntas não conseguimos, conseguimos na Assembleia Municipal, vamos ver também em relação aos mandatos se conseguimos ou não a presidência.
Relativamente ao meu sentimento, quero dizer que sinto uma grande tristeza por este órgão da comunicação social, O SETUBALENSE, ter feito uma entrevista em primeiro lugar àquele que teve o pior resultado que alguma vez a CDU teve. A CDU nunca teve este resultado, mesmo quando esteve em oposição, no tempo do PS. Teve sempre dois, três, quatro vereadores na oposição. Este foi o pior resultado de todos, a CDU ficou em quarto lugar, André Martins saiu como o pior derrotado de sempre na história de Setúbal, foi a pessoa que pior trabalho fez na Câmara Municipal. Não esteve lá mais de quatro anos, e já foi muito. E, portanto, como é possível que O SETUBALENSE, que levou ao colo André Martins, o executivo da CDU, durante quatro anos, tivesse fechado este ciclo a levar ao colo André Martins, para que André Martins lançasse lama, saísse da pior forma, de forma, aí sim, menos digna? Ele tinha de se sujeitar àquilo que o povo decidiu. O SETUBALENSE em vez de chamar quem venceu as eleições…
… E chamou, por isso é que aqui está.
Não, desculpe, em vez de chamar em primeiro lugar quem venceu as eleições para dizer a Setúbal o que é que se vai fazer para o futuro decidiu fazer o frete, como fez durante quatro anos, a André Martins e à CDU, para André Martins de uma forma antidemocrática, ressabiada, pouco digna, de cobardia mesmo, vir dizer o que lhe ia na alma, de uma forma extremamente injusta. Primeiro chamou o derrotado, não foi um derrotado qualquer, foi o pior derrotado, que ficou em quarto lugar. Não é admissível.
Sem querer alimentar essa questão, dizer apenas que André Martins foi ouvido numa entrevista final de balanço. Não faria sentido ouvir primeiro Dores Meira. O que faria sentido era, exatamente, como foi feito, até para que depois Dores Meira pudesse reagir…
… Não estou de acordo consigo e fica aqui o meu protesto.
Anotado e registado e é com todo o gosto que a recebemos. Venceu por 1 338 votos de diferença para o PS. Ficou com maioria relativa. Esperava atingir a maioria absoluta?
Este resultado foi excelente, tendo em linha de conta aquilo que acabei de dizer. Não tínhamos nenhum partido por trás e, portanto, estávamos sozinhos com gente extraordinária, fantástica. Embora seja relativa, temos uma maioria que nos dá algum conforto. Acho que foi extraordinário. Esperava mais? Esperava. Em relação às juntas de freguesia temos pessoas muito boas, que iriam, com certeza, fazer uma boa governação. Mas o povo decidiu, está decidido. É só essa a tristeza que me acompanha, porque acho que temos ali pessoas que iriam fazer a diferença.
Precisa de dois vereadores da oposição para garantir a estabilidade governativa no executivo. O Chega já disse estar indisponível para aceitar pelouros. É possível um acordo com eleitos do PS? Já teve conversações com a oposição?
Não houve ainda conversas formais. Houve alguma informalidade com algumas pessoas do PS, sim. Vamos ver se nos próximos dias chegamos a essa formalidade.
Mas acredita num entendimento com o PS? Fernando José, por aquilo que já teve oportunidade de falar com ele, estará disposto a aceitar pelouros?
Fernando José vai pensar. Acho que tem de ver com o seu partido, como é normal. Não sei, vamos ver.
Isso significa que já falou com ele...
Já falei informalmente se há alguma viabilidade. Estão a pensar, é normal. É um partido organizado, um partido fundador também da democracia, com muitos anos, muitas responsabilidades, e acho normal este tempo em que ainda estão a pensar.
Já governei com uma maioria relativa, quero lembrar isso aos setubalenses. E não foi impossível, tive de negociar muito, trabalhei com gente fantástica da oposição, estávamos com uma oposição com três vereadores do PSD e dois do PS. E, durante três anos, acho que fiz esse papel muito bem, conseguimos governar. Cheguei ao fim desse mandato, que foi muito duro, e depois ganhei com maioria absoluta. Portanto, se não houver entendimento é negociar proposta a proposta e vamos governar, vamos trabalhar muito com todos.
Falou há pouco na Assembleia Municipal. É possível vir a verificar-se um entendimento entre PS e CDU. Como encara essa possibilidade, a juntar à eventualidade de não conseguir estabilidade no executivo municipal?
São jogos democráticos. Espero é que esse entendimento não prejudique Setúbal. Porque sempre que isso prejudicar Setúbal, o povo será informado, ponto a ponto. Nós iremos fazer sempre negociação, se for preciso, proposta a proposta, igualmente na Assembleia Municipal, como faremos na Câmara, e se houver algo que prejudique o bom funcionamento dos órgãos, o bom funcionamento da Câmara, que prejudique aquilo que nós queremos que seja o progresso de Setúbal, é claro que iremos informar os setubalenses e os azeitonenses.
Mas acredita que há viabilidade de a candidatura “Setúbal de Volta” conseguir um acordo e ganhar a presidência da Assembleia Municipal?
É difícil. A campanha negra que foi feita vai com certeza continuar. Não estou a ver que de repente as pessoas decidam: agora não, chega ou basta [risos], agora vamos passar-nos para o lado de “Setúbal de Volta”. Não sei. Acho que têm de passar para o lado de Setúbal, ponto, não é “de Volta”. É para o lado de Setúbal. Têm de ter consciência e responsabilidade naquilo que vão fazer. E é só isso que nós pedimos.
Consigo na presidência da Câmara, Setúbal vai continuar como membro da AMRS ou pondera que possa sair?
Eu não pondero, tenho a certeza que temos de sair! Já não se justifica. Aquela associação está morta e ainda ninguém os avisou. Há muitos anos que não tem nada que se diga: vale a pena existir esta associação. A não ser fazer um festival à conta dos municípios. Pouco mais eles faziam, sendo que os municípios lhes pagavam as quotas, pagavam tudo e mais alguma coisa, num grupo partidário, de funcionários partidários…
… Está a referir-se ao PCP?
Claro, estou a referir-me ao PCP. Não tem lá mais ninguém de coisa nenhuma. Bem, podem perguntar agora se este ou aquele é do PCP. Não, pode até não ter a ficha, mas é claramente gente do PCP. Há muitos anos que não tem razão de existir. E há muitos anos que nós dizemos isto. O que é que esta associação faz? Esteve 30 anos para fazer a candidatura à UNESCO relativamente à Arrábida, 30 anos em que os municípios, além da sua quota, pagaram valores adicionais para estudos e mais estudos e avaliações… não foi aceite pela UNESCO. E agora passou para Reserva da Biosfera. Finalmente, passados estes anos todos veio a Reserva da Biosfera…
… O que está a dizer é que a “montanha pariu um rato”?
Não, foi muito importante. Só pergunto por que demorou tantos anos, por que é que se fizeram tantos estudos?
Porquê, na sua opinião?
Imagino! Não lanço mais lama, não é esse o meu papel. Portanto, não se justifica. Quando foi constituída, a AMRS fez muito trabalho, trabalho muito válido, depois foi perdendo essa validade. Agora esteve na discussão da NUTS II, foi a Reserva da Biosfera… Não se justifica a existência da associação. O último mandato teve como presidente André Martins e viu zero, não teve viabilidade nenhuma a não ser o festival que nem sequer assenta na AMRS. Lança o festival. Não era ela que o fazia verdadeiramente e André Martins foi também um flop na própria AMRS, ponto.
Compromisso “Criação da Comunidade Intermunicipal será uma das primeiras prioridades”
Falou na NUTS II, que tem tudo a ver com a Comunidade Intermunicipal (CIM) Península de Setúbal. Já sabe o que irá fazer em relação ao processo de instalação da CIM? Vai acompanhar aquilo que já ficou decidido entre os municípios? Neste momento, falta acertar entre todos uma versão comum do texto constitutivo…
É evidente. Setúbal ainda não fez essa proposta para a constituição da Comunidade Intermunicipal. A associação de municípios não se transformou numa CIM, deve dar lugar à CIM, deveria ser a AMRS a ter essa liderança, deveria ter esse papel e dizer: isto parou, não faz sentido a associação, vamos transformar-nos numa CIM. Acho que a associação é única no País, tenho quase a certeza que é única no País, não faz sentido. Portanto, quatro anos perdidos.
A CIM vai ser uma prioridade assim que tomar posse?
Como é óbvio, já a devíamos ter feito. Nem a AMRS, que teve a mesma liderança da presidência da Câmara, nem a presidência da Câmara Municipal fez adesão a essa CIM. Já muitos municípios o fizeram…
… Só faltará a aprovação da Assembleia Municipal.
Já não estava na Câmara quando isso foi discutido, é das nossas primeiras prioridades porque sem Comunidade Intermunicipal não há fundos da NUTS II.
Não haverá capacidade de captar…
… Não é só a capacidade. É que, do ponto de vista legal, se não é a CIM a ir fazer a candidatura aos fundos, não há fundos comunitários. Sem CIM não há fundos. Esta será das primeiras prioridades.
“André Martins é página virada, é carta fora do baralho. Ninguém se irá lembrar dele”
Entrevista do ainda presidente da Câmara a O SETUBALENSE gerou indignação. “É uma lama de quem sai de uma forma cobarde”, diz Dores Meira

Como responde à questão levantada por André Martins sobre a relação a manter entre a Câmara Municipal e o Porto de Setúbal, já que consigo foram eleitos elementos dessa administração portuária. E também como comenta a afirmação de que o seu executivo é um conjunto de pessoas de negócios?
É uma lama desnecessária, é uma lama de quem sai muito mal do figurino, de quem não tem cultura de verdade, é uma lama de quem teve no seu slogan de campanha eleitoral “gente de verdade” e sai, de facto, como gente muito ressabiada, de uma forma muito cobarde, a deitar lama por tudo o que é sítio. Não havia necessidade, o povo decide quem ganha e quem perde. André Martins deveria ter aceitado o resultado eleitoral. Preferiu, cobardemente, não aceitar o lugar que o povo confiou à CDU. Ele era o cabeça de lista. O povo confia e nós temos de aceitar. É o meu entendimento.
[Em 2021] Perdi as eleições para a Câmara da Almada e o PCP também me disse para eu não aceitar o lugar de vereadora, como fez em outros municípios. Só refiro Vila Franca de Xira, com Regina Janeiro, Alcochete, etc. Acho isso muito mau, de uma grande falta de cultura democrática. Muito triste. Eu tive essa indicação, mas disse que aceitava o resultado que o povo ditou.
Fui autarca durante 20 anos, cinco anos vereadora e 15 anos presidente de Câmara. Ganhei, mas quando perdi sentei-me na cadeira da oposição. E estive lá [em Almada] até sair do PCP, no dia 26 de abril de 2024, porque entendi que ao sair do PCP também tinha de deixar o lugar que não era meu, que era da CDU. Isto é que é dignidade, que é aquilo que André Martins não tem. E é ter responsabilidade e saber o que se está a fazer.
André Martins, em vez de dizer às pessoas a verdade pela qual sai, decide disparar em todas as direções para justificar o injustificável. Portanto, por que não aceita? Porque não tem cultura democrática. Porque cobardemente não é capaz de ouvir o que vai acontecer nesta governação. E para não ouvir como é que ele deixou a Câmara financeiramente. Possivelmente, à beira de um saneamento financeiro. A desorganização da Câmara, etc., ele não vai conseguir ouvir isto tudo, que a CDU vai ter de ouvir. E, portanto, dispara a dizer que é tudo gente de negócios…
… Mas, como interpreta a observação sobre a relação com o Porto de Setúbal?
Quando fui presidente de Câmara de Setúbal, tive das melhores relações com o Porto de Setúbal. E foi sempre um Porto de Setúbal que teve dois partidos. Que teve PS e que teve PSD. Todos eles me disseram que quando a Câmara era do PS, e eles, Porto de Setúbal, eram do PS, não se falavam. Eu tive as melhores relações com as várias cores que passaram pelo porto.
Estive ao lado da dra. Lídia [Sequeira], que foi a presidente do porto [nomeada pelo PS], quando ela passou um mau período relativamente às dragagens. Estive ao lado do porto, quando Vítor Caldeirinha foi presidente da administração ou estão esquecidos disso? E com outros que passaram pelo porto. Por que é que havia de ter más relações? Onde é que do ponto de vista do equilíbrio, da negociação, da legalidade, as pessoas que hoje estão no Porto de Setúbal não podem, do ponto de vista pessoal, fazer parte deste ou daquele partido? Antigamente também o faziam…
… E a integrarem lugares como eleitos nos órgãos autárquicos.
Mas qual é o problema? Eu já lidava com eles antes de fazerem parte dos órgãos autárquicos. Por acaso fazem parte do meu órgão autárquico. Antes de o PSD estar no poder, já Vítor Caldeirinha me tinha dito a meu convite para a Assembleia Municipal: “Com todo o gosto”. Ainda o Governo era de outra cor. Relativamente a Nuno Viterbo, exatamente a mesma coisa. Qual é o problema? Agora tinha de os tirar. Mas estão esquecidos que estavam pessoas do PS na APSS [Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra] e que também faziam parte da Assembleia Municipal. António Caracol fazia parte da Assembleia Municipal pelo PS e estava na APSS. Então André Martins come muito queijo? Aí não havia problema? Só há problema agora? É triste, é muito triste. É muito triste dizer que é tudo gente de negócios. Mas que falta de chá.
Esta equipa de quatro, que vão ser supermulheres e super-homens, porque somos quatro – esperamos que a trabalhar com todas as outras pessoas que integram o executivo –, é gente de negócios? Não, somos gente de trabalho. Com tanto gosto, com tanto prazer. Estes quatro e mais 300. Porque nós somos 300 e tal.
Agora, sabe qual é o nosso prazer? É que nenhum de nós é funcionário político. Nenhum de nós é carreirista político. Nenhum de nós precisou de cunhas, de favores, para estar a trabalhar na função pública, nas associações, aqui e ali. Eu comecei a trabalhar aos 15 anos, com muita pinta. Mas não foi no partido. Foi no privado, num escritório de marcas e patentes. Abri o meu primeiro escritório aos 24 anos. Começava a trabalhar às 8 da manhã e acabava à meia-noite. Todos os dias. E tive cinco escritórios até entrar na Câmara Municipal. Não precisei da Câmara para nada. Precisei sempre de trabalhar muito. Não sou André Martins, que sempre trabalhou na política. Há alguns daquela “gente de verdade” que sempre trabalharam por favor político.
Mas, já agora, quero dizer que não somos também a gente de negócios com quem André Martins costumava reunir-se para os favores de negócios. E ele sabe muito bem que é uma vergonha ter-se reunido com essa gente de negócios em sítios onde ele sabe que eu sei que se reuniram.
Quer especificar?
Não, não. Ele sabe o que é que eu estou a dizer. E muitos deles, da “gente de verdade”, sabem o que estou a dizer. Esses é que foram a vergonha da gente de negócios. De quem ele soube usufruir. Ele e outros. Deveria estar calado. Em relação aos negócios dos carros. Em relação aos negócios da utilização daquilo que é público. Não é em relação àquilo que me fizeram. Isso, à Justiça o que é da Justiça. Porque, eles também irão ter a Justiça para se limpar isto tudo.
Nós queremos Setúbal a trabalhar. A bombar. Pelo progresso e pelo bem-estar do povo de Setúbal. Não quero mais esta lama. Por favor, vamos fazer um ponto final nisto. André Martins é página virada.
Que comentário lhe merece a declaração de André Martins ao assumir que não tomará posse por não lhe reconhecer dignidade política?
Quem não tem dignidade política é ele. Quem não tem dignidade política é quem atira esta lama, sabendo que quem suja as mãos na lama recebe essa mesma lama de volta. É o que lhe está a acontecer, em relação a todas as pessoas que nas redes sociais fazem disto agora a sua revolta pessoal e lhes dão o troco. À exceção, como é óbvio, dos seus camaradas, que de forma organizada o vêm defender, como também é lógico.
E, portanto, André Martins é página virada, é uma carta fora do baralho. E, dentro de algum tempo, ninguém se irá lembrar de André Martins. Foi um favor que André Martins acabou de fazer a Setúbal. Já devia ter saído há mais tempo. Tenho muita tristeza em dizer isto, porque acreditava na integridade e no caráter de André Martins.
Apoiou a candidatura de André Martins à Câmara Municipal de Setúbal.
Exatamente. E é com grande tristeza que vejo isto. Posso acabar com uma frase que diz o povo: “Fugir dos sonsos”.
“Quero saber como está a situação financeira e arrumar a casa”
Dores Meira diz-se preocupada com as contas da autarquia. “Já vi este filme”, alerta, para lembrar e criticar Carlos Sousa. Debruça-se sobre o IMI e o IRS. E arrasa o PCP

Quais as primeiras medidas que irá tomar logo depois de ser empossada?
Saber como está a situação financeira da Câmara. Preocupa-me sobremaneira. De todos os lados vem informação de que a Câmara está mal. Os fornecedores não recebem há muito tempo. Empréstimos atrás uns dos outros. E, portanto, eu já vi este filme. Em 2002 foi feito um contrato de reequilíbrio financeiro. Carlos Sousa, já agora, deixou pior a Câmara do que o contrato de reequilíbrio financeiro.
O contrato de reequilíbrio financeiro era um grande ónus para a Câmara. Ter de cumprir religiosamente o pagamento ao consórcio de bancos que fez o empréstimo de 67 milhões…. Portanto, eu saí e ficou praticamente tudo pago. Hoje está tudo pago. Cem milhões entre juros e o capital emprestado. Tudo pago. E deixei um ativo de cerca de 500 milhões. É só irem ver as contas. E, portanto, dizer que em 2006 a situação financeira era muito má.
É uma crítica a Carlos Sousa?
Claro, que aparece nesta campanha como pseudomandatário do PS.
Por que diz pseudo?
Porque ele não era o mandatário. Porque o mandatário tinha de ser uma pessoa do concelho. O mandatário do PS era Paulo Lopes. Carlos Sousa aparece com uma auréola de santo nesta campanha e não conta como deixou a Câmara. Não conta. Portanto, foi só santo. Pode ser que durante este tempo se vá dizendo algumas coisas, até por que é que o PCP o tirou [da presidência da Câmara]. Nunca esclareceu isso. Só disse mentiras. Uma das coisas, por exemplo, [foi] a situação financeira em que deixou a Câmara.
Como ele sabe, como toda a gente sabe, a primeira coisa que eu fiz foi tentar com o secretário de Estado do Orçamento uma renegociação do contrato de reequilíbrio financeiro, porque nós estávamos asfixiados, em setembro de 2006. Novamente com grandes dívidas a fornecedores. Quando tomei conta da Câmara foi um sufoco. E há muitos fornecedores que, se quiserem vir a terreiro, podem dizer que eu passei noites e noites em negociação com eles, a fazer planos de pagamento. E comigo os técnicos da Câmara. Cumprimos na íntegra. E eu só dizia às pessoas, se algum mês vos faltar um cêntimo, vocês têm de ligar para mim ou têm de vir ter comigo rapidamente. Nunca recebi ninguém que viesse a dizer que falharam este mês ou aquele. Pagámos tudo. Até pôr a Câmara finalmente a respirar. A dívida era gerível. Foi o Governo que o disse. Foi a DGAL que o disse. E dois anos antes de eu sair começou a baixar-se o IMI, devagarinho, com responsabilidade. Exatamente porque já estávamos com a cabeça fora de água. E deixei muita obra, muitos imóveis comprados…
… Acompanha André Martins quando diz que a redução de IMI e IRS, imposta pela oposição neste mandato, foi demasiada e que foi uma irresponsabilidade política?
Foi demasiada e foi uma irresponsabilidade política da qual André Martins também tem responsabilidade, porque não soube negociar com a oposição. O PSD levou-o ao colo. Não percebo o que aconteceu no fim. Zangaram-se? Não houve responsabilidade de Fernando Negrão, esse grande setubalense, para dizer: vamos fazer contas. O dr. Fernando Negrão queria sair em ombros. [André Martins] Nunca fez contas à vida. Tomou sempre muitas atitudes irresponsáveis. Portanto, não teve capacidade de negociar como fez durante pelo menos durante três anos [do mandato], em que conseguiu que o dr. Fernando Negrão o levasse ao colo. No final, não teve essa sabedoria para fazer contas e só disse a Setúbal, já depois da votação, o prejuízo vai ser este.
Vinte e dois milhões de euros cumulativamente…
… É muito dinheiro.
Admite então mexer no IMI?
Não sei. Preciso ver as contas, não posso dizer isso agora. Precisamos de saber qual é a situação financeira da Câmara.
Que outras medidas estão entre as suas prioridades para o arranque do mandato?
Além da situação financeira, organizar, arrumar, a casa. Agora não há dinheiro. Não há dinheiro para pneus, não há dinheiro para comprar tinta, não há dinheiro para comprar lâmpadas de monumentos que estão apagados quase há quatro anos, como é o caso da Pedra Furada. Mas, houve dinheiro para hipotecar a Câmara de Setúbal, por exemplo, com a Associação da Baía, foi catastrófico o que aconteceu com a associação. Tudo isto irá ter auditorias. A Câmara irá ter uma auditoria…
…A que período de tempo?
Só a este mandato, o outro mandato já tem um relatório.
Um relatório muito criticado por si.
Claro. Então, o caderno de encargos é de janeiro de 2017 até outubro de 2024, e ele pára em dezembro de 2021, à medida. Um fato à medida.
Essa foi outra das críticas de André Martins: ter feito essa afirmação numa entrevista concedida a uma estação televisiva.
Eu disse o que é um facto. Mas é mentira? Ele consegue desmentir isto. Os documentos estão aí para toda a gente ver. Pararam em dezembro de 2021. Agora, quem é que mandou parar? O responsável da Câmara chama-se André Martins. A empresa só pode ter parado, com autorização do presidente da Câmara. Se foi o Manel ou o Joaquim que mandou parar, não sei. Para mim foi André Martins.
Portanto, vai haver auditorias, à Associação da Baía, a isso tudo. Tem de ser. Porque, não podemos passar a vida nesta lama. Isto é feio. Desde que foi instaurada a democracia, até agora, tivemos a pior campanha que já se viu, pelo menos aqui em Setúbal. Nunca se viu tal coisa. Em 2001, Mata Cáceres perdeu as eleições e esteve, com muita dignidade, quatro anos ali sentado.
Vamos lá arrumar a casa. Vamos lá falar a verdade. E depois logo se verá quem é que tem dignidade ou quem não tem. E espero ser a última vez que falo nisto, tenho mais que fazer. Tenho que trabalhar por Setúbal e Azeitão. Temos que pôr Setúbal no mapa, que foi aquilo que estes senhores não fizeram. Tiraram Setúbal do mapa. Apagaram Setúbal. Setúbal é falada pelas piores razões. Toda a gente fala nesta vitória invocando a campanha negra e suja que me foi feita pessoalmente. É muito triste. Isso é gostar de Setúbal? Isso é ter dignidade? Não é.
Eu estive lá 20 anos [na Câmara], nem do Carlos Sousa nunca falei. E fez muito mal a Setúbal, já agora. O próprio PS dizia que foi o pior presidente de Câmara desde o 25 de Abril.
Sente arrependimento por ter passado tanto tempo no PCP? Sente-se hoje mais virada para o centro-direita?
Não, não. Não estou arrependida da minha passagem pelo PCP. Foi uma grande escola. Foi uma casa de aprendizagem. Conheci pessoas fantásticas dentro do PCP. Não é por causa deste episódio que essas pessoas deixam de ser fantásticas. Agora, que o PCP não se atualizou, não acompanhou a vida, não acompanhou o mundo de uma forma mais livre e democrática, não acompanhou. E eu comecei, há uns anos, a dizer isso. Mas eles sabem, lá dentro, com o que é que eu não estava de acordo. A minha ida para Almada ajudou a ver muitas outras coisas, coisas mais complicadas.
E ajudou-me a ver que o PCP parou no tempo e hoje tem gente que não está à altura sequer de estar dentro daquele partido. Tornou-se um partido de funcionários que não estão à altura da responsabilidade que deveriam ter, que dividem as pessoas, perseguem as pessoas, e aconteceu aqui também nestes quatro anos, funcionários da Câmara que foram perseguidos por eles.
Revê-se mais no centro-direita?
Não. Hoje, sou uma pessoa sem partido, livre e democrática.
Está desiludida com os partidos políticos?
Cansada. Só isso.
O que perguntaria a Maria das Dores Meira que não lhe tenha sido perguntado até agora?
Deixe-me lá ver. O que é que deseja para Setúbal, dentro dos próximos dez anos? É que é algo muito grande e muito interessante. Fica para uma próxima entrevista.