A comunista já iniciou conversações com a oposição e defende entendimento de gestão autárquica global, com a mesma força política. Socialistas recolhem preferência; Chega está fora da equação. Primeiras medidas a tomar estão definidas: (re)organizar os serviços municipais e “dar a volta” à questão da higiene urbana
Presidiu aos destinos da Câmara Municipal de Palmela entre 2001 e 2013. Volvidos 12 anos está de regresso, depois de um triunfo por 183 votos de diferença sobre o Chega. Ana Teresa Vicente conseguiu manter o poder para a CDU, que deixou de ser a força mais votada para a Assembleia Municipal e perdeu em todas as juntas de freguesia.
Em entrevista a O SETUBALENSE e à Rádio Popular FM, a recém-eleita presidente da Câmara explica os resultados eleitorais e admite que é com o PS que espera alcançar acordo de governabilidade, até porque o Chega é carta fora do baralho: “É um partido que não deve crescer, do meu ponto de vista, e não pode ser apoiado por nós para esse crescimento”, afirma.
A higiene urbana, assume, vai merecer atenção imediata e não há tempo a perder em relação à revisão do PDM. A tomada de posse é no próximo dia 3.
Como se sente volvidos poucos dias após uma noite eleitoral tão intensa?
Têm sido dias muito intensos, mas a primeira sensação em relação à nossa eleição foi de grande preocupação, uma vez que foi uma vitória muito renhida, por 183 votos, em relação ao segundo partido mais votado, o Chega. Simultaneamente, é uma vitória num tempo muito difícil, por isso, ao longo destes primeiros dias, o que tenho procurado fazer, com os meus camaradas, amigos, companheiros de lista, de partido, de coligação, é analisar os nossos resultados e, por outro lado, perspetivar o futuro, que é o mais importante.
Como explica então os resultados verificados no concelho?
Há realmente uma transformação sociológica no concelho muito significativa. Primeiro, Palmela é o concelho da Área Metropolitana de Lisboa (AML) que mais cresceu em termos populacionais, recebeu novas populações, oriundas de todo o lado, mas sobretudo da AML, [da margem] norte, e mesmo de outros concelhos da península de Setúbal. Recebeu pessoas que não conhecem o trabalho da CDU, que não me conhecem porque não sou presidente da Câmara há 12 anos… E depois, como se pode ver no plano nacional, a esquerda não está a crescer. Ora, esses novos moradores trazem provavelmente aquela que já era a sua tendência de voto nos seus anteriores locais de vida. Uma primeira razão, penso ter a ver com isto.
Por um fenómeno de migração.
Claramente. Repare, para quem nasceu ou viva há muitos anos no concelho, por exemplo em Palmela e Pinhal Novo, é fácil perceber o que era Pinhal Novo e Palmela, a evolução que tiveram. Se falar às pessoas mais nas áreas rurais, é fácil perceberem o que era o nosso campo. Por exemplo, o que era Marateca há 30 anos e o que é hoje. Mas, se falar com uma pessoa que veio de um concelho mais urbano da AML, essa pessoa não vai compreender que ainda se possa ter de fazer algum caminho de terra batida para chegar às tais zonas mais rurais.
Outra dimensão: este fenómeno do Chega é óbvio que afetou e perturbou os resultados neste concelho. Isto é, o Chega tem no plano nacional, enfim, uma prática, uma política que procura contagiar localmente os seus candidatos, os seus apoiantes… procura transmitir às populações que se alguma coisa está mal, então está aqui o Chega para mudar e fazer bem. Essa é uma perturbação que não vou comentar muito mais, porque não conheço propostas realmente absolutamente válidas por parte desse partido.
Finalmente, acho que é justo dizer que também houve uma manifestação de descontentamento com o trabalho feito pela CDU, no concelho. Nuca se consegue fazer tudo e não se conseguiu fazer tudo.
Era expectável que essa manifestação fosse desta dimensão?
Não, surpreendeu-me este resultado tão tangencial. Confesso que tem manifestações diferentes ao longo do território, havia zonas que me preocupavam, porque eu própria percebia que a dimensão de alguns problemas que ali estavam colocados era séria.
Mas, é difícil justificar, compreender, por exemplo, a insatisfação nas freguesias mais rurais do concelho. Houve tanto trabalho feito pela Câmara Municipal nessas freguesias mais rurais. Acho que não é justo.
Por outro lado, continuo a dizer que uma das coisas que mais me preocupou – e não é um problema específico de Palmela, mas sente-se muito no concelho – foi a questão da higiene urbana, a recolha de lixo, o cuidado com os espaços públicos. Conheço as razões pelas quais as coisas aconteceram desta maneira, mas a população não acedendo à explicação direta, ou não compreendendo ou não aceitando a explicação direta, é óbvio que tem tendência a penalizar-nos.
Essa é uma questão transversal a tantos outros municípios e já todos provavelmente chegaram à conclusão de que o modelo da forma como está instalado não permitirá a ninguém resolver as coisas.
Sem dúvida. Mas, mais uma vez, aí a realidade dos concelhos é muito diferente. Esse mesmo problema tem num concelho com as características de Palmela uma manifestação muitíssimo mais grave do que, deixe-me dar um exemplo, no Seixal. Uma população muito concentrada, um território bem mais reduzido, tem muito mais facilidade de resolver o problema do que este território disperso. Essa foi, para mim, uma das questões que gerou aqui alguma insatisfação.
Depois, é curioso, nós perdemos um mandato na Câmara, mas tivemos mais votos. O próprio PS teve mais votos e fica em terceiro lugar na Câmara. E no meio disto há, de facto, um partido [o Chega] que ganhou uma força eleitoral e que vamos ver como trabalha no concreto.
Quando será a tomada de posse? Já iniciou conversações com a oposição tendo em vista alcançar um entendimento de governabilidade através da atribuição de pelouros?
A tomada de posse está prevista para dia 3. Obviamente, percebi imediatamente pelo resultado para a Câmara que temos de garantir a capacidade de gestão. Portanto, sim, estamos a conversar, estamos a auscultar quem quer também dialogar connosco e espero vir a encontrar uma solução. Temos uma preocupação: temos o nosso programa, queremos respeitar as principais linhas que definimos para o nosso mandato, mas claro que teremos de acordar formas de trabalho com outras forças políticas. Gostava que isso acontecesse de forma, enfim, mais global no concelho.
Penso que as pessoas não compreendem que, num órgão autárquico, a CDU possa eventualmente contar com o apoio do PS para, por exemplo, viabilizar os instrumentos estratégicos de gestão municipal na Câmara, e do outro lado a CDU estar a fazer um entendimento diferente com outra força política para viabilizar outra coisa nas respetivas freguesias. Acho que essa ideia não se compreende e não gosto dela.
Freguesias que fugiram todas à alçada da CDU e tinha três. Obriga então a esse tal entendimento que vai além do necessário para uma gestão com estabilidade na Câmara.
Espero que sim e penso que as pessoas também não esperam outra coisa, ninguém gostaria com certeza de ir para eleições intercalares pelo facto de não haver entendimento para gerir a Câmara.
É com o PS que espera alcançar esse entendimento, como tem acontecido nos últimos mandatos para a Câmara, por exemplo?
Admito que sim. Temos de definir algumas linhas…
… Alguma será vermelha?
Todos temos os nossos limites. Sobretudo, terá de haver bom senso, terá de haver alguma serenidade e respeito pelo outro nesta discussão. A CDU ganhou a presidência da Câmara, portanto, é justo que haja aqui alguma capacidade de condicionar algumas dessas linhas limite, digamos assim, mas, naturalmente, respeitando aqueles que quiserem colaborar connosco, respeitando também os seus limites. É uma questão de encontro.
Já percebemos que o PS terá vantagem de preferência. O Chega é carta fora do baralho?
Em democracia, temos o dever de respeitar os outros e o seu papel, mas, de facto, acho que há uma distância muito grande entre aquilo que conhecemos do Chega e aquilo que é absolutamente conhecido da CDU, os seus valores, a sua afirmação, ao longo de muitos anos no território e, portanto, não vejo capacidade de nos entendermos, apesar de, individualmente, haver, com certeza, no Chega, pessoas que, enfim, tenho muita pena que estejam com o Chega, porque são pessoas que terão valor, que serão honestas, trabalhadoras…
… No executivo?
Não digo no executivo nem fora dele. Digo que haverá nas listas do Chega muita gente honesta, que até estará um pouco iludida com algumas das propostas do Chega. Tenho pena por isso, mas facto é que, no plano nacional, é um partido que não deve crescer, do meu ponto de vista, e não pode ser apoiado por nós para esse crescimento.
E com o PSD? Há possibilidade de entendimento?
Olhe, eu tenho uma história engraçada. Enquanto fui presidente de Câmara, um dos mandatos de mais e melhor trabalho que conseguimos fazer contou, curiosamente, com a colaboração de uma pessoa que tinha sido eleita nas listas do PSD: Octávio Machado. Este é um exemplo, atribuímos pelouros a Octávio Machado, não tinha sequer a atribuição dos tempos, ou seja, não era remunerado como vereador, mas trabalhou incansavelmente e deu um excelente exemplo. Isto só para dizer que as nossas barreiras também dependem um pouco dos contextos.
Neste momento, é lógico que não vejo no PSD, por um lado, essa disponibilidade, por outro lado, esse número [apenas um vereador; a CDU precisa de dois] e essa possibilidade de vir a estar representado no executivo com pelouros. Mas, não vou dizer que fosse qualquer coisa de impossível. Há pessoas e pessoas, e há forças políticas e forças políticas.
Qual será a primeira medida que tomará assim que assumir funções? Já pensou nisso?
Sim, desde o primeiro momento. A primeira é reunir com as equipas mais próximas, tentar dizer em poucas palavras quais são as coisas que mais me preocupam e, entre elas, sublinharia: primeiro, temos de dar imediatamente a volta a esta questão da higiene urbana no concelho. Portanto, tomar novas medidas, reformular naquilo que nos cabe algumas das práticas que temos em curso, desenvolver outras que são benéficas e que o atual executivo tem vindo a implementar, dou o exemplo da recolha porta-a-porta em certas zonas do concelho, que tem de ser ampliada, mas também combinada com outras soluções. Depois, insistir na Amarsul pela revisão do modelo.
Paralelamente, há uma outra medida a que dou igual prioridade, que é a organização dos serviços municipais. Ganhar as pessoas, ganhar a sua motivação, ganhá-las para novas soluções e novos modelos de trabalho é a outra prioridade absolutamente indispensável, para arregaçar mangas e começar a ver resultados de uma ação direta no território.
Mas isso não estava garantido com Álvaro Amaro?
Sim, com certeza. O Álvaro trabalhou muito, é um autarca incansável. Enfim, muita gente o conhece, Pinhal Novo conhece-o. Mas, obviamente, temos métodos diferentes, valorizaremos até alguns aspectos diferentes na gestão e, portanto, eu valorizo muito esta questão de agarrar nas pessoas e trabalhar com elas. Acho que aí teremos de fazer de forma diferente. Encontrei uma Câmara um pouco desmotivada. Atenção, a culpa não é de Álvaro Amaro.
Uma Câmara pouco ou muito diferente da que deixou há 12 anos?
A vida hoje é muito diferente em todas as dimensões, portanto, na Câmara Municipal também é. As pessoas, umas estão mais velhas, outras entraram de novo, mas uma coisa é certa: há muita falta de recursos humanos em áreas-chave para que a Câmara cumpra as suas responsabilidades e isso não é culpa da Câmara. É preciso não esquecer, de há muitos anos a esta parte, as limitações legais que houve para a contratação pública. Primeiro imperou a regra de não recrutar e depois por cada três trabalhadores que saíam podia entrar um. Ora, isto causou uma situação de desigualdade em relação aos recursos necessários que nunca mais se recuperou, e isso gera sobrecarga e desânimo nas pessoas que lá estão. Como não podemos recrutar todos de uma vez, penso que a reorganização dos serviços é fundamental.
A revisão do PDM foi bloqueada pela oposição na Assembleia Municipal. Como pensa poder ultrapassar a falta de entendimento?
O chumbo na Assembleia Municipal foi um acto essencialmente político…
… Por causa das eleições?
Seguramente pelo momento em que aconteceu. Não se consegue provar isto, mas se o Plano Diretor Municipal tivesse sido concluído muito antes, como era desejo da Câmara, e se tivesse ido a deliberação um ano antes, por exemplo, talvez o desfecho tivesse sido diferente. Estou muito convencida disto. Ou seja, é um tema muito sensível, é um tema muito pesado e que propicia alguns aproveitamentos que no momento do confronto público e político, que acontece por ocasião das eleições, leva a que os partidos sintam que não podem recuar. Acho que houve actos tomados que justificavam algum recuo e não houve coragem para esse recuo.
Agora, a realidade é esta: ele não está aprovado, tem de voltar a passar pelo crivo das entidades que constituem a Comissão Consultiva, entidades nacionais, que são cerca de 30. É um crivo muito difícil… e neste momento ainda não sabemos exatamente quanto tempo é que vamos precisar para obter essa revisão. Mas, não tenho nenhuma ilusão, vai ter de ser em diálogo com as outras forças políticas.
Acha que ainda é possível a oposição reconsiderar?
Nós temos de compreender, tecnicamente, o que está ali e como é que a Câmara vai operar. Provavelmente, depois de todos compreenderem, tecnicamente, o que está em causa, até se pode concluir que é a melhor solução. Ou seja, não estou convencida de que o problema do chumbo do PDM se deva a soluções menos boas ali consignadas, mas estou disponível para as discutir. Aliás, só posso estar. Espero é que seja uma discussão o mais rápida possível. Procurarei reunir com todos, assim que tomar posse. Das medidas estratégicas é a mais estratégica e a mais pesada, mas também a mais urgente.
Não teme que possa voltar a suceder o PS viabilizar através de abstenção na Câmara e depois na Assembleia Municipal chumbar?
Olhe, essa é uma das razões pelas quais defendo que conversar com outros partidos sobre cenários de viabilidade para a gestão autárquica tem de ser uma conversa global. Ou seja, não considero coerente que quem está na Câmara a viabilizar propostas, a ter acesso a todos os documentos, depois no plano político possa considerar que, afinal, fica melhor na fotografia se não votar favoravelmente.
Acho que houve uma atitude um pouco populista na posição que foi tomada, por exemplo, em relação ao PDM. Acho que podíamos ter tido uma discussão muito mais serena, se não tivéssemos chegado a este tempo eleitoral, e que todas as partes podiam ter encontrado o diálogo e aquela linha que nos conduz ao essencial e nos retira do acessório.
Qual é a maior preocupação que, à partida, sente para abraçar o novo mandato?
Já falámos de uma, no fundo, que é a preocupação desta transformação na nossa sociedade. Politicamente tenho uma grande preocupação com esta transformação, esta afirmação de valores que hoje existem, estão presentes na sociedade e no nosso concelho também. Valores de intolerância, de egoísmo, de acusação ao próximo e, portanto, preocupo-me com o ambiente social que se vive. Depois tenho preocupações relativamente aos meios que as câmaras municipais e as juntas têm para cumprirem as suas responsabilidades.