O social-democrata explica o apelo feito na última reunião de câmara deste mandato. E volta a criticar a direção nacional do PSD
Surpreendeu tudo e todos pela coragem política. Não por reiterar posição contrária à da estrutura nacional do PSD de abdicar de candidatura própria para apoiar Dores Meira, mas sim por se libertar de amarras políticas e aconselhar caminho diferente, ao apelar ao eleitorado que vote ou na CDU ou no PS, nas próximas autárquicas, em nome daquilo que entende ser o melhor para o futuro do concelho de Setúbal. Fernando Negrão disse-o com todas as letras, enquanto vereador eleito pelo partido laranja, na última reunião de câmara deste mandato, que decorreu na passada quarta-feira nos Paços do Concelho. Sem amarras e muito menos com receios.
“Eu, enquanto militante do PSD, discordando profundamente da decisão do PSD não apresentar candidato, faço um apelo aos setubalenses e aos azeitonenses, no sentido só de lhes dizer que as forças políticas mais bem preparadas para governar Setúbal são o PS e a CDU”, afirmou, após ter feito um voto: “Que ganhe, porque Setúbal precisa, ou a CDU ou o PS”.
Foi assim, nu e cru, que o social-democrata se “despediu” das funções que há quatro anos lhe foram confiadas. Mas, sem revelar qual das duas candidaturas está, na sua opinião, melhor preparada.
“Sabe que o exercício político de fazer uma escolha de um partido que não é o nosso, porque o nosso não concorre, é muito difícil. Acho que cheguei ao limite de onde podia chegar, de dizer que não concorrendo o meu partido, dos outros que vão a eleições, os que estão mais bem preparados são o A e o B. E não queria especificar mais, nem ir mais longe, porque acho que isto é suficiente para as pessoas refletirem, porque há aqui uma diferença entre os partidos fundadores da democracia – no caso do atual executivo camarário: o PSD, o PS e a CDU. O PSD não concorre, portanto, é o PS e a CDU. Sendo que, se algum dos outros fosse melhor, eu diria igualmente isso, mas não é”, disse a O SETUBALENSE, apesar de admitir que a sua escolha, enquanto eleitor em Setúbal, está feita. E, sem desarmar, lembra: “O voto é secreto.”
Quanto ao momento escolhido para assumir esta posição, Fernando Negrão esclarece: “Porque foi a última reunião de câmara e foi o início da campanha eleitoral para as autárquicas.”
Sentimento próximo da traição
O social-democrata diz não se ter sentido ‘maltratado’ pelo partido e faz questão de frisar: “Não, não fui, até porque eu não queria ser candidato. Que fique bem claro, eu não queria ser candidato. Já fui candidato duas vezes”. Isto, não obstante ter sido quem obteve o melhor resultado de sempre para o PSD em Setúbal. “É verdade, mas da primeira vez; da segunda, já não. E não por uma razão: porque os setubalenses – é a explicação que me dão – terão ficado aborrecidos por eu ter sido candidato à Câmara de Lisboa. Portanto, tenho 70 anos, já deixei o resto da atividade política. Não era com esta idade que ia a um terceiro mandato na Câmara de Setúbal. Agora, acho é que o PSD tinha mais do que obrigação de ter um candidato numa cidade muito importante do País, que é Setúbal”, explica.
Facto é que não tem e, além disso, a decisão saída da São Caetano à Lapa de apoiar a candidatura de Dores Meira (ver caixa) provocou ondas de choque em Setúbal, desde logo na estrutura local do partido. E houve até militantes a sentirem-se traídos. Fernando Negrão não admite o sentimento, mas reconhece que anda lá perto. “Confesso que não sei, mas é qualquer coisa à volta disso. Não só eu, como todos os militantes do PSD e simpatizantes, com certeza que estão aborrecidos perante a incompreensão desta posição da direção nacional do PSD.”
O social-democrata lamenta a atual conjuntura de descrédito em torno dos partidos fundadores da democracia e deixa a receita para que estes “ressurjam” como novos. “Tem de acontecer uma viragem substancial na atuação dos partidos políticos. E a atuação tem a ver com os protagonistas desses mesmos partidos. Precisamos dos melhores quadros na política. Agora, temos de criar condições para os atrair e de, com esses quadros, estes partidos começarem a delinear políticas para o País. Começarem a prevenir aquilo que pode vir a acontecer”.
E, em relação a essa ação preventiva, justifica: “Na minha intervenção na última reunião da Câmara Municipal, dei o exemplo da habitação. É inacreditável, quando entrava pelos nossos olhos dentro, que íamos ter um problema com a habitação e ninguém tomou medidas. E hoje em dia vivemos nesta situação, no fundo pela falta de capacidade de previsão dos partidos políticos relativamente às necessidades dos portugueses. Portanto, quadros de qualidade e capacidade para definir estratégias e para prever aquilo que acontece no futuro. É isto que os portugueses querem sentir que os partidos farão. Fazendo-o, tenho a certeza de que estes partidos fundadores da democracia ressurgirão como novos, com a compreensão e o bem-querer da população”, conclui.
Sensação “Dores Meira regressa com vontade de ajustar contas com algumas pessoas e isso é mau”
O apelo feito ao eleitorado na última reunião de câmara tem também a ver com o facto de recair sobre Dores Meira um manto de suspeições. “Tem a ver com isso e não só… A principal razão não é essa, embora essa seja importante, já que o comportamento de um político deve ser tido em consideração nas eleições. Agora, eu acho que há outra razão”, afirma Fernando Negrão. “A sensação que tenho relativamente à candidata Dores Meira é que ela regressa a Setúbal com alguma vontade de ajustar algumas contas com algumas pessoas, que acha que lhe fizeram mal e que disseram mal dela. E isso na política é mau. Essa é outra razão. E isso é muito mau para quem exerce funções de natureza política”, revela.
E, a terminar, deixa uma mensagem ao eleitorado do partido laranja. “Peço aos social-democratas de Setúbal, que não têm candidato por decisão da direção nacional do PSD, que reflitam bem em todos os candidatos e verão, com certeza, que os partidos mais bem preparados são aqueles que fizeram parte nos últimos quatro anos do governo da cidade e do concelho”, atira, a finalizar, com o reforço do apelo ao voto na CDU ou no PS.