Inês de Medeiros diz que, nos últimos dois mandatos, foi construído todo um plano estratégico. Por isso afirma: “Sabemos o que queremos fazer e quando o vamos fazer”
Nas autárquicas de 2017 a candidata socialista Inês de Medeiros surpreendeu ao afastar a CDU que há 40 anos geria o município de Almada. Nas autárquicas de 2021 recandidatou-se e reforçou a maioria. Agora, a 12 de outubro, tem poucas dúvidas de que irá conquistar o terceiro mandato à frente da Câmara de Almada.
“Sabemos o que queremos fazer e quando o vamos fazer”, afirma. Isto num mandato onde quer reforçar a posição de Almada no espaço da Área Metropolitana de Lisboa. Na agenda tem várias medidas para dar solução ao problema da habitação no concelho tanto a longo prazo como a curto prazo e aponta o dedo ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana por ter atrasado as candidaturas ao PRR, além do impasse na resolução dos bairros ilegais em terrenos do Estado.
Tem na mira novas ligações viárias e fluviais entre o concelho e Lisboa, e ampliar as respostas de saúde para a população. Quanto ao Plano Diretor Municipal espera que o processo de revisão esteja concluído no início do próximo ano.
Ao ser recandidata a um terceiro mandato à presidência da Câmara de Almada, assume que vai ser julgada pelo que fez e pelo que esperam que faça. Em que áreas espera que esse julgamento seja mais incisivo?
É difícil de dizer onde vai incidir mais esse julgamento, mas é natural que assim seja. Uma presidente, ou um presidente, em funções é avaliada pelo seu trabalho, essa é a grande diferença relativamente aos outros candidatos. A minha preocupação é mostrar às pessoas o que temos feito, apesar de haver ainda muito para ser feito. Temos uma [gestão] em coerência com a realidade do concelho de Almada, que conhecemos muito bem. O nosso “Plano A é Almada”; indica a estratégia e dinâmica que estamos a conseguir concretizar, e assim vamos continuar.
O que considera ser o legado mais importante dos seus dois mandatos, oito anos, e quais são os aspetos que pretende aprofundar no futuro, caso seja reeleita?
Sempre dissemos que Almada estava aquém das suas potencialidades, por isso em 2017, quando ganhámos a Câmara Municipal pela primeira vez, o nosso slogan era “Almada Pode”. A CDU, que governou Almada desde 1976, não queria que o concelho assumisse centralidade na Área Metropolitana de Lisboa, a opção política era ligar Almada ao Distrito de Setúbal e deixar a ideia de centralidade para segundo plano. Sempre afirmámos que é urgente um pensamento estratégico sobre o Distrito de Setúbal, por isso temos batalhado pela criação da CIM [Comunidade Intermunicipal] da Península de Setúbal, agora com a nova NUT [Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos] para o Distrito de Setúbal.
Mas não podemos omitir que os almadenses têm uma relação mais próxima com Lisboa do que com Setúbal. Nestes dois últimos mandatos houve um grande crescimento da Área Metropolitana de Lisboa, por isso conseguimos ter projetos em conjunto, como é o caso dos transportes rodoviários através da Carris Metropolitana, foi um passo de gigante que seria impossível há alguns anos.
Por outro lado, neste momento estão a ser pensados projetos como uma nova travessia [do rio Tejo] por túnel ou não. Temos também a ser analisada a extensão do Metro Sul do Tejo à Trafaria e Costa da Caparica, que é fundamental para ser criado um segundo terminal fluvial na Trafaria, para Algés. Também na mobilidade estamos a pensar dentro do espaço metropolitano. O que sabemos é que a Ponte Vasco da Gama não serve nem Almada nem o Seixal e o trânsito afunila todos os dias para a Ponte 25 de Abril, portanto são necessárias alternativas.
Entretanto, está a ser avaliada a criação de uma nova carreira fluvial entre a Trafaria e Lisboa. Já reunimos com a administração da Transtejo/Soflusa. Está a ser avaliada a amarração na margem norte. A proposta vai ser apresentada ao Governo; não temos dúvidas de que é preciso apostar em mais e melhores navios nesta ligação, incluído Porto Brandão, a curto prazo.
Na apresentação como recandidata à presidência da Câmara de Almada, dedicou grande parte da sua intervenção à problemática da habitação. O que tem de ser feito, e como, para resolver esta situação?
Tem de haver uma estratégia a longo prazo e, para fazer face à situação atual, também uma a muito curto prazo. Não é possível apenas a anunciar medidas avulsas. Em 2019, o Partido Socialista repôs na agenda política nacional a política de habitação criando programas específicos: o 1.º Direito e a Porta de Entrada. De imediato, todos os municípios que estavam a sentir a pressão da falta de habitação, assim como o de Almada, se mobilizaram e fizeram a sua Estratégia Local de Habitação, que é a base para sustentar a política pública de habitação em cada um dos municípios. Creio que Almada foi o segundo concelho a terminar a sua estratégia, e estamos a cumprir.
Identificámos problemas como o II Torrão que já tinha 40 anos, e o das Terras da Costa que tinha quase 30 anos, isto só para falar dos maiores, porque temos muitos casos restos do PER [Programa Especial e Habitação] que ficou por cumprir. Almada tem dos piores índices de cumprimento do PER do País, não chegou a cumprir 50% do programa face ao que se tinha candidatado. A nossa Estratégia Local de Habitação identificou os núcleos precários mais urgentes e o estado miserável do nosso parque habitacional público, tínhamos 2 200 fogos municipais num estado de degradação indescritível, agora temos mais.
Tínhamos ainda muitas casas fechadas por serem insalubres, e temos muitas pessoas a viverem em prédios inaceitáveis porque nunca houve manutenção desses prédios. Temos também a questão das AUGI [Áreas Urbanas de Génese Ilegal] onde não existe saneamento básico.
O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) veio dar um novo impulso à política de habitação
Com o PRR surgiram várias novas oportunidades, e fizemos o nosso trabalho num tempo muito curto. Já o PRR tinha quatro anos e o IHRU [Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana] demorou dois anos para abrir as candidaturas, mesmo assim, só no atual mandato já entregámos 350 chaves, uma parte delas por aquisição de fogos e outra parte por fogos reabilitados onde conseguimos realojar as pessoas. Isto faz parte da Estratégia Local de Habitação. Temos ainda uma parte em construção que, com aqueles que ainda esperam financiamento do PRR, são 270 fogos. Mas isto é a estratégia a longo prazo. Como são necessárias respostas urgentes ao arrendamento apoiado fizemos um protocolo com o IHRU – a maior operação do País – para a construção de 3 500 fogos de arrendamento acessível, em que na primeira fase são cerca de 1 100 e temos já 620 em construção e mais 520 para serem lançados em construção. Entretanto, já foram realojadas as pessoas de habitação precária do bairro de barracas da Costa da Caparica e mais de uma centena de pessoas que estavam nas barracas sobre a Vala do I Torrão.
Isto tem sido feito com muito esforço do município, ainda estamos a aguardar pagamentos e toda uma parte administrativa do IHRU que está por cumprir, que rondam os 17 milhões de euros.
Como a pressão sobre habitação tem sido enorme, também já lançámos o nosso programa de apoio à renda o Casa em Almada. São arrendamentos privados onde a Câmara Municipal pode apoiar a renda até 220 euros mensais. Este programa teve uma adesão enorme por isso contamos poder aumentá-lo.
Que soluções para os bairros ilegais de Penajóia e Raposo?
Estamos a falar de uma realidade completamente diferente. Aquilo não o típico bairro de barracas, é praticamente uma urbanização que quando começou a surgir a Câmara Municipal até poderia ter intervindo se o IHRU autorizasse, e nunca o fez. Ao contrário do que dizem, nenhuma câmara pode tomar posse administrativa de um terreno do Estado.
Este é um fenómeno com dois anos, é um negócio organizado. Preocupa-me muito a situação em que aquelas pessoas vão estar ao comprarem aquelas barracas, ficam automaticamente endividadas para com aqueles que são vigaristas; há ali quartos alugados a 300 euros, isto nas barbas do Estado que continua a não reagir. De vez enquanto, diz que vai ali demolir uma casas, mas se o faz com cem estão lá oitocentas.
Prometeram um levantamento social que não foi feito. Temos um problema ambiental, e já fizemos queixa contra o IHRU, pelas fossas que ali existem em área protegida. E o mais extraordinário é que nem as forças de segurança ali vão e querem que a Câmara lá vá fazer uma identificação quando estamos perante uma organização mafiosa, e não falo das pessoas que lá vivem.
Continuamos a não ter resposta do Estado para que sejam tomadas medidas de imediato. É obvio que a secretaria de Estado da Habitação e o IHRU têm de criar uma equipa multidisciplinar para identificar quem lá está e acabar com aquele negócio vergonhoso; têm de defender as pessoas que lá estão, que são vítimas e têm de ser esclarecidas.
A Câmara está disponível para trabalhar para a solução conjuntamente com as entidades responsáveis, mas não vai municipalizar aquele problema, e vamos continuar a cumprir a nossa Estratégia Local de Habitação, onde aqueles bairros não estão identificados, e não vão estar.
Qual o ponto de situação do grande projeto Almada Innovation District, a implementar no Monte Caparica?
O Innovation Distrit está a andar devagarinho porque ainda aguardamos a questão da revisão do Plano Diretor Municipal [PDM], uma situação que nos ultrapassa um bocado. Estamos sujeitos a um enquadramento legal de instrumentos de gestão do território que estão completamente desadequados; não se aplicam e, que muitas vezes, são contraditórios entre si.
O nosso PDM é de 1993, mas acho que, por fim, vamos sair deste calvário de revisão do PDM, o que espero que aconteça no início do próximo ano, até queríamos que fosse ainda este ano. O PDM ainda tem de ir a consulta pública até ser aprovado e, dependente de tudo isso, está o Almada Innovation District. Entretanto, estamos a dar caminho ao que podemos.
Para o próximo mandato, que medidas defende para reforçar os serviços públicos de saúde?
Nessa área temos grandes investimentos graças à transferência de competências que começaram com o governo socialista. Vamos construir dois centros de saúde. Para o da Costa da Caparica vai ser lançada a empreitada, para o centro de saúde do Feijó tivemos a dificuldade de do concurso ter ficado vazio pelo que temos de lançar novamente o concurso da empreitada quanto antes.
Mesmo antes da transferência de competências na saúde já tínhamos implementado uma série de respostas nesta área, fizemos um grande programa ao nível da saúde mental para idosos e de apoio psicológico aos jovens. Lançámos a Unidade Móvel de Saúde que tem sido fundamental para algumas zonas do concelho onde há população idosa e isolada onde esta unidade tem sido uma resposta importante. Constituímos os Centros de Resposta Integrada de Almada (CRIA) muito vocacionados para programas específicos de saúde e área social, um no Laranjeiro e outro na Trafaria. Fizemos ainda um protocolo com a Faculdade Egas Moniz para a saúde oral, temos também um protocolo com o Hospital Garcia da Orta e com a Saúde 24 para consultas online e dispensa de receituário, e esperamos terminar agora um protocolo também com o Garcia da Orta para ter um médico que possa ir uma vez por semana à Trafaria porque é a população que mais sofre por o centro de saúde ser na Costa da Caparica, este que vai ser substituído por outro equipamento com outras condições de resposta.
Está também previsto um terceiro CRIA em Almada onde vamos juntar um programa de resposta integrada para pessoas em situações de sem-abrigo.
Além disso, os 12 equipamentos de saúde que recebemos do Estado têm de ser reabilitados, caso do centro de saúde da Avenida Rainha D. Leonor, antigo SAP, que tem espaço para mais valências.
Entretanto, sabemos que o Hospital Garcia da Orta ainda tem possibilidades de crescer, apostamos nesse alargamento, mas essa é uma competência do Governo.
O que tem ainda programado cumprir no seu terceiro mandato na Câmara de Almada?
O Centro de Recolha Animal vai avançar, assim como a reabilitação do edifício da EDP em Almada. Temos um plano de reabilitação de todo o nosso património: foi a Casa da Cerca, em Almada, foi o Convento dos Capuchos e vamos avançar com a reabilitação do Solar dos Zagalos, na Sobreda, também em Almaraz, em Almada Velha, e o Palacete António José Gomes, na Cova da Piedade que já tem projeto de arquitetura concluído para avançar. As Celas da Trafaria também já têm projeto de arquitetura pronto para avançar, a Loja do Cidadão na Romeira, Cova da Piedade já está em obra e vamos continuar a reabilitação da nossa rede viária.
Vamos também apostar no terreno da Agroparques, no espaço da Bateria da Raposa onde vamos reabilitar o núcleo museológico além de instalar serviços (Bombeiros e Polícia Municipal). Já temos em curso o plano de requalificação da frente marítima da Costa da Caparica e temos o espaço para o Centro Cultural da Costa da Caparica, e também um espaço para o novo equipamento desportivo na Charneca de Caparica / Sobreda. Além disto, temos investido, e assim vamos continuar, na higiene urbana.
Construímos todo um plano estratégico durante estes últimos oito anos. Temos como lógica que todos os espaços do património municipal têm de estar abertos à população. Isto não são promessas, são realidades; sabemos o que queremos fazer e quando o vamos fazer.