A Inteligência Artificial poderá vir a facilitar algumas profissões e ajudar os robôs a ‘aprenderem’, mas dificilmente terá emoções
Marco André Horta Seromenho Dias Cruz, tem 26 anos, é natural de Almada e professor/formador de Robótica e Informática.
Quanto a formação académica, concluiu o 12ª ano Nível 4 em Curso técnico/Profissional de Informação de Sistemas na EDUGEP em Almada, um organismo que tem como objectivo impulsionar a excelência na educação e formação, e nos domínios cultural, desportivo e tecnológico.
Afirma que usa a Inteligência Artificial tanto profissionalmente, como até em actividades como a culinária. Sobre os riscos que estas ferramenta pode representar, considera que muito passa por fazer as pessoas aprenderem como a utilizar, sendo necessário reflectir sobre questões éticas que esta apresenta, privacidade, veracidade da informação ou dependência tecnológica. Por isso defende que “é fundamental que a escola promova espaços de debate e reflexão para ajudar os alunos a desenvolverem essa consciência crítica”.
Quanto à possibilidade desta tecnologia digital vir a substituir alguns profissionais, acredita que isso pode vir a acontecer, principalmente nas profissões mais repetitivas, mas tudo depende também de como a sociedade e a economia se vai projectar no futuro.
Em que medida a Inteligência Artificial (IA) se relaciona com as áreas da informática e da robótica?
No meu ver a IA relaciona-se imenso com ambas as áreas, pois na informática, a IA é uma subárea essencial, pois depende de algoritmos, programação, ciência de dados e processamento de informação para simular capacidades humanas como aprender, raciocinar e tomar decisões.
Já na robótica, a IA é utilizada para dar autonomia e ‘inteligência’ às máquinas. Através de sensores, actuadores e algoritmos de IA, os robôs podem perceber o ambiente, tomar decisões e executar acções de forma mais eficiente e adaptativa. Em suma, a IA fornece o “cérebro”, enquanto a robótica fornece o “corpo” para realizar tarefas no mundo real.
Assim, a IA serve como ponte entre a informática (capacidade de processamento e análise de dados) e a robótica (execução física de tarefas), tornando possível a criação de sistemas inteligentes e autônomos.
Que papel a IA pode ter no futuro da robótica?
A IA terá um grande impacto na robótica, podendo se construir vários robôs e projetos de robótica com IA incorporada. Com o avanço da IA, os robôs poderão aprender com a experiência, reconhecer padrões no ambiente, tomar decisões complexas em tempo real e interagir de forma mais natural com os seres humanos.
A IA será o componente que transformará os robôs em agentes ‘inteligentes’ capazes de tomar decisões, resolver problemas e agir de maneira autônoma em uma ampla variedade de contextos.
Usa a IA no seu dia-a-dia?
Sim, utilizo imenso a IA no meu quotidiano, desde o meu trabalho até a coisas mais simples como receitas de culinária. Inclusive já utilizei a IA para me ajudar com vários problemas técnicos e informáticos em casa e no trabalho.
Posso dizer que dependo um pouco da IA no meu quotidiano e que tem sido bastante útil.
Acredita que a IA está a transformar a forma como ensinamos e aprendemos?
Sim, Sem dúvida alguma, desde que houve o grande “boom” da IA que os professores e alunos mudaram a maneira de trabalhar nas escolas.
A IA permite criar experiências de aprendizagem mais personalizadas, adaptando o conteúdo ao ritmo, estilo e necessidades de cada aluno. Com a ajuda de sistemas inteligentes, é possível identificar dificuldades específicas e oferecer apoio direccionado, tornando o processo mais eficiente.
Além disso, está a facilitar o acesso a conteúdos educativos através de plataformas online, tutores virtuais, correcções automáticas e tradutores em tempo real. Também apoia os professores na análise de desempenho dos alunos e na gestão de tarefas, libertando tempo para se concentrarem no acompanhamento pedagógico
Na sua opinião os alunos têm consciência crítica em relação ao uso desta tecnologia?
Em geral, muitos alunos utilizam a tecnologia e a Inteligência Artificial no seu dia-a-dia, mas nem sempre têm uma consciência crítica sobre os seus impactos. Muitos sabem usar ferramentas digitais, como assistentes virtuais, plataformas de estudo ou até IA como o ChatGPT, mas poucos reflectem sobre questões éticas, privacidade, veracidade da informação ou dependência tecnológica. Por isso, é fundamental que a escola promova espaços de debate e reflexão para ajudar os alunos a desenvolverem essa consciência crítica. É importante que aprendam a questionar como e por que usam a tecnologia, que compreendam os riscos e responsabilidades associados ao seu uso e que saibam distinguir entre usar a tecnologia de forma passiva e usá-la de forma consciente e responsável.
Como se pode trabalhar o pensamento ético e a responsabilidade digital nas escolas?
A partir de workshops e acções de capacitação digitais, acho que conseguiremos mostrar nas escolas que a IA é muito mais do que apenas uma simples ferramenta para se fazer perguntas.
Podendo também incorporar vários tipos de debates e discussões de sala de aula, projectos interdisciplinares, a criação de regras no uso da tecnologia nas escolas e o uso de jogos e simulações educativas.
A evolução desta tecnologia digital levanta uma série de questões éticas. Quais considera serem os maiores riscos associados ao seu uso generalizado?
O uso generalizado da Inteligência Artificial levanta diversas questões éticas que merecem atenção e reflexão. Um dos maiores riscos está relacionado com a privacidade. Muitos dos seus sistemas funcionam através da recolha e análise de grandes volumes de dados pessoais, o que pode comprometer seriamente a privacidade dos indivíduos e até abrir caminho para formas de vigilância em massa.
Outro risco importante é a possibilidade de discriminação e reprodução de preconceitos. A IA aprende a partir dos dados que lhe são fornecidos e, se esses dados estiverem enviesados, as decisões tomadas pela tecnologia podem perpetuar desigualdades e afectar negativamente determinados grupos sociais, como minorias étnicas ou comunidades vulneráveis. Também se destaca o impacto no emprego. A automação de tarefas, impulsionada pela IA, pode levar à substituição de trabalhadores humanos, especialmente em funções repetitivas ou operacionais. Isto poderá provocar desemprego em larga escala e acentuar desigualdades económicas, caso não sejam criadas medidas de adaptação e reconversão profissional.
Na sua opinião, há profissões — incluindo a de professor — que poderão estar verdadeiramente ameaçadas pela automação e pela IA, ou isso é uma visão exagerada?
Na minha opinião, embora a automação e a Inteligência Artificial já estejam a transformar o mercado de trabalho, a ideia de que todas as profissões estão ameaçadas pode ser um pouco exagerada. De facto, algumas funções mais repetitivas e baseadas em tarefas mecânicas ou previsíveis correm maior risco de serem substituídas por máquinas, como operadores de caixa, motoristas ou técnicos de linha de montagem.
No entanto, profissões que envolvem pensamento crítico, empatia, criatividade e relações humanas, como a de professor, são muito mais difíceis de automatizar. A IA pode, sim, ser uma ferramenta poderosa no apoio ao ensino, por exemplo, através de tutores virtuais, correcção automática de exercícios ou personalização da aprendizagem. Mas substituir completamente o papel do professor é algo improvável, pois ensinar vai muito além de transmitir conteúdo: exige escuta, adaptação ao contexto, motivação dos alunos e desenvolvimento de valores sociais e emocionais.
Assim, em vez de representar uma ameaça, a IA pode ser vista como um complemento ao trabalho dos professores e de muitas outras profissões. O desafio será garantir que os profissionais saibam adaptar-se, aprender a trabalhar com estas novas tecnologias e usá-las de forma ética e consciente.
Imaginando o futuro: como prevê que será o papel da IA na vida quotidiana dentro de 10 a 20 anos?
Dentro de 10 a 20 anos, é muito provável que a Inteligência Artificial esteja ainda mais presente e integrada na vida quotidiana, de forma quase invisível, mas extremamente influente. Prevê-se que a IA se torne um assistente constante nas mais variadas áreas, desde a organização pessoal até à gestão de cidades inteiras.
No dia-a-dia, poderemos contar com assistentes virtuais muito mais avançados, capazes de compreender a linguagem natural de forma quase humana, ajudando a gerir agendas, dar conselhos personalizados e até tomar decisões baseadas nos nossos hábitos e preferências. Em casa, os dispositivos inteligentes serão capazes de antecipar necessidades, como preparar refeições, regular o ambiente ou sugerir atividades, aprendendo com os comportamentos dos utilizadores. Na saúde, a IA poderá ajudar no diagnóstico precoce de doenças, monitorizar a nossa condição física em tempo real e sugerir tratamentos personalizados. No trabalho, muitas tarefas rotineiras serão automatizadas, permitindo que os humanos se concentrem em tarefas mais criativas e estratégicas. A nível urbano, os transportes autónomos, a gestão de energia e a segurança pública poderão ser otimizados por sistemas inteligentes.
Apesar dessas possibilidades positivas, será essencial garantir que a IA seja usada de forma ética, respeitando a privacidade, os direitos humanos e a diversidade. O futuro da IA não será apenas uma questão de tecnologia, mas também de responsabilidade colectiva.
Como definiria a IA a um público não especializado, e quais considera serem os principais mitos ou equívocos em torno deste conceito?
A Inteligência Artificial é um conceito que pode parecer complicado, mas que na verdade é algo muito presente no nosso dia-a-dia, mesmo que muitas vezes nós não percebamos. Basicamente, a IA é a capacidade que máquinas, computadores ou programas têm de realizar tarefas que, até pouco tempo atrás, só humanos conseguiam fazer. Essas tarefas envolvem reconhecer padrões, aprender com exemplos, tomar decisões simples, entender a linguagem que usamos, identificar imagens, entre outras coisas. Isso significa que, em vez de apenas executar comandos fixos, a IA tem uma certa “flexibilidade” para adaptar suas respostas dependendo da situação. No entanto, existe uma série de ideias erradas ou exageradas sobre o que é IA. Um dos maiores equívocos é achar que é algo parecido com o que vemos em filmes de ficção científica, onde máquinas têm consciência, sentimentos e até vontade própria. Na realidade, não tem emoções, nem consciência, nem desejos. Ela funciona com base em cálculos, estatísticas e aprendizado de dados, sem qualquer tipo de pensamento ou sensação humana
É mais como uma ferramenta muito sofisticada que responde a estímulos, sem entender o mundo da forma como nós entendemos. Outro mito comum é pensar que a IA vai acabar com todos os empregos, substituindo completamente os humanos. Embora seja verdade que algumas tarefas repetitivas e rotineiras possam ser automatizadas, a IA também pode ajudar as pessoas a serem mais produtivas e a focarem em atividades mais criativas e complexas. Muitas vezes, a IA funciona como uma parceira, não um substituto, abrindo espaço para novos tipos de trabalho que nem sequer existiam antes.