Era uma vez eu. E eu tinha um dono.
O meu dono gostava muito de uma mulher. Mas essa mulher era casada com outro homem…
Esse outro homem não me apreciava. E olhava para o meu dono – e para mim – com algum desprezo.
Eu – talvez – adivinhando os sentimentos do meu dono, respondia – conforme podia – ao homem com quem era casada a mulher de quem o meu dono gostava; e o meu dono mandava-me calar para não incomodar. Mas o homem, com quem era casada a mulher de quem o meu dono gostava, cada vez olhava mais e mais.
Um dia, a mulher de quem o meu dono gostava, chamou-o e disse-lhe para não passar por ali comigo; o homem com quem era casada não gostava. E o meu dono perguntou-lhe porquê. A mulher de quem o meu dono gostava, sorriu-lhe, e disse-lhe que o homem com quem casara era um chato, picuinhas e embirrava com tudo…
O meu dono sorriu ao que ouvira e a mulher de quem o meu dono gostava sorriu também; mas perguntou-lhe sobre o que achara graça. E o meu dono, meio encabulado, acabou por lhe responder com uma pergunta: se pensa assim, por que razão continua com ele?
A mulher de quem o meu dono gostava encolheu os ombros e afastou-se; repetindo o pedido que lhe fizera. Mas meu dono acenara que não, que isso seria impossível, porque ele tinha de fazer aquele caminho todos os dias.
A mulher de quem o meu dono gostava voltou atrás, olhou-me, fez-me festas na cabeça – tinha umas mãos suaves, a mulher de quem o meu dono gostava – e, por fim, olhou para o meu dono e perguntou-lhe, olhos nos olhos, se não tinha outro sítio por onde ir. E o meu dono acenou que não, porque só indo por ali a podia ver todos os dias…
E foi assim que eu, um cão que tinha um dono, passei a ter uma dona; também.