O vereador comunista avalia negativamente 26 anos de gestão PS. Aponta a requalificação da zona ribeirinha como uma das principais apostas, a par da valorização dos trabalhadores. E a transferência dos barcos para o centro da cidade é para estudar
“O Montijo precisa de ter uma gestão diferente, mais virada para os montijenses e que permita a valorização dos trabalhadores”. Esta é uma das frases-chave de Nuno Catarino, vereador da CDU na Câmara do Montijo, que, em entrevista a O SETUBALENSE e à Rádio Popular FM, deixa críticas ao reinado de 26 anos do PS no município.
A requalificação da frente ribeirinha, a valorização dos trabalhadores municipais, a análise à “cada vez mais difícil” possibilidade de trazer as carreiras fluviais de volta ao centro da cidade e a descentralização de serviços para as freguesias rurais são apostas defendidas pelo autarca do PCP. Nuno Catarino debruça-se ainda sobre a revisão do PDM, as áreas da Saúde, da Segurança e da Habitação.
O executivo municipal ficou a ganhar ou a perder com a saída de Nuno Canta e a ascensão de Clara Silva à presidência?
Na CDU sempre nos batemos pela questão das políticas e não das pessoas. A execução da política é que é importante. O que se está a ver é que o PS mantém aquela que era a sua linha de intervenção no concelho. A forma de intervir de um e outro naturalmente é diferente e isso reflecte-se nas próprias reuniões de câmara, na forma como são conduzidas. O que se perspectiva é que até final do mandato mantenham a linha do que foi a gestão PS, não só de Nuno Canta como desde há 26 anos à frente da Câmara. Os montijenses teriam muito a ganhar é se houvesse uma mudança política na gestão.
A CDU também viu a sua cabeça-de-lista das últimas autárquicas renunciar ao mandato. Acha que isto pode abalar a confiança do eleitorado tanto na CDU como no PS, nas próximas eleições?
Julgo que não terá grande influência. No caso da CDU, Ana Baliza teve de pedir a suspensão do mandato por uma questão de maternidade e após essa suspensão, por questões pessoais e sobretudo profissionais, não era conciliável as duas situações e teve de pedir renúncia. É uma situação perfeitamente prevista na democracia, que é transversal a todos os partidos, aconteceu com o PS também, mas por motivos diferentes.
O projecto apresentado é que tem de ser executado, porque foi esse que foi sufragado pelos montijenses, independentemente de quem seja o presidente da autarquia. O PS deve ser julgado nas próximas eleições não por Nuno Canta ter saído antes do final do mandato, mas sim por aquilo que tem feito nos últimos 26 anos e pelo programa eleitoral que apresentar. Na CDU exactamente a mesma coisa.
Como avalia este mandato da gestão PS?
Avalio de forma negativa. O PS agarra a Câmara em finais de 1997 e recebe em 1998 a Ponte Vasco da Gama, que foi um grande balão [de “oxigénio”] com o “boom” da construção. A receita da Câmara aumentou substancialmente, a cidade também cresceu, por via dessa nova acessibilidade a Lisboa. Mas a gestão PS não soube fazer crescer a cidade, ou seja, a cidade cresceu como uma manta de retalhos, foram feitas construções avulsas, sem qualquer planeamento. A gestão PS não soube, não só a nível urbanístico, fazer com que a cidade crescesse de uma forma harmoniosa, como também não soube vender aquilo que é o Montijo. E isso ainda hoje se nota.
De que forma?
O Mercado Municipal podia estar melhor gerido. Temos o mercado da Reforma Agrária e tenho poucas dúvidas de que a maioria dos novos moradores conheça a sua existência. E isso também cabe à Câmara Municipal, essa divulgação, trazer as pessoas ao centro do Montijo. Desse ponto de vista não houve qualquer preocupação. Não se tenta integrar quem vem viver para o Montijo. A Câmara fez e está a fazer um péssimo trabalho na promoção da marca Montijo junto daqueles que vivem no concelho.
No urbanismo, da zona da Praça de Toiros até ao novo Afonsoeiro não há um único equipamento de que as pessoas possam usufruir. Já propusemos a construção de um pavilhão desportivo condigno para essa zona. Depois a frente ribeirinha, que o PS não conseguiu fazer nada.
A mudança dos barcos foi um dos maiores erros da Câmara, que apesar de não o admitir já vai dando indicações de que no [terminal do] Seixalinho as coisas não funcionam. Daquilo que foi prometido, nada foi concretizado. [Com a mudança] deixou de haver o movimento que existia no centro da cidade e o comércio local foi completamente aniquilado…
… Mas isso levantava outro problema, o do trânsito automóvel no centro da cidade e do estacionamento que começa a escassear a olhos vistos no centro histórico.
Quando o PS substituiu a CDU na Câmara Municipal existia um projecto aprovado pela tutela para a construção de um parque de estacionamento ao lado do [antigo] Kaxaça e de uma variante que iria dar à zona do E.Leclerc. Na altura, a dra. Maria Amélia Antunes entendeu que não devia assinar aquele projecto.
Havia também a questão do assoreamento do rio.
Em 2000, o Governo do PS com a anuência do PSD decidiu vender e desmantelar a empresa pública de dragagens que existia. Hoje, para as conseguir fazer, é preciso ir alugar material à Holanda [Países Baixos], que custa milhões. O interesse do Governo em levar os barcos para o Seixalinho era para não ter de fazer a dragagem, porque pouparia muito dinheiro.
Não se pode dizer que não foi feita qualquer intervenção na frente ribeirinha. Mas o Cais dos Vapores, da gestão da Administração do Porto de Lisboa, continua a degradar-se.
E agora há-de passar para a gestão da autarquia, vamos ver o que vão fazer. A frente ribeirinha tem muitas potencialidades que não foram aproveitadas durante 26 anos e a justificação dada, de que são terrenos privados, não é aceitável, porque noutros concelhos isso também acontece e conseguiu-se fazer, envolvendo privados, o próprio Estado… Em 26 anos tinham obrigação de ter feito muito mais. Se me disser que nas próximas eleições os montijenses colocam a CDU na gestão, uma das nossas prioridades será a frente ribeirinha. Faremos em quatro anos? Claro que não.
A CDU equaciona tentar fazer regressar o cais de embarque ao centro da cidade?
Cada vez será mais difícil, mas não diria que seria uma questão a esquecer. Seria a estudar. Até poderíamos chegar à conclusão de já não ser possível, mas não deixaríamos cair essa possibilidade. Voltando à questão inicial, que tem a ver com a falência do PS, temos a gestão dos trabalhadores municipais. Em 26 anos, a Câmara não conseguiu criar condições para os trabalhadores dos serviços operacionais. A primeira cara do município são os seus trabalhadores.
Têm sido maltratados?
Totalmente maltratados, não só na valorização em termos de carreira. [A Câmara] Não vai ao máximo de onde pode ir, designadamente na aplicação do SIADAP, que é uma avaliação que nem devia existir, que é injusta, mas isso tem a ver com a Administração Central. Mas a Câmara não explora todas as possibilidades que o SIADAP tem para valorizar os trabalhadores.
São razões suficientes para afirmar que a gestão PS tem uma actuação que maltrata os funcionários?
Essa expressão é sua. Eu não disse maltratar. Digo é que não valoriza. Isso é evidente, basta visitar as instalações do sector operacional, quer dos jardins quer das obras ou da recolha de resíduos sólidos para se perceber isso. A questão da recolha de resíduos sólidos, da externalização, afasta-nos do PS. A Câmara nunca acautelou a contratação de trabalhadores para fazer essa gestão e hoje vemos como está o Montijo.
Mas a CDU onde é poder também faz essa opção pela externalização (outsourcing). Onde é oposição contesta. Parece um contra-senso.
O projecto autárquico da CDU defende que deve ser a Câmara a executar essa questão. Depois há situações, atendendo à realidade concreta de cada concelho, que desconheço, estou aqui para falar do Montijo, há outras [realidades] que desconheço e sobre as quais não me vou pronunciar. (…) A AMARSUL tem pontos de recolha em vários sítios da península, mas depois limita ao máximo aquilo que os munícipes lá podem entregar. A privatização leva a isto. Necessário é a AMARSUL voltar à gestão pública, que não tenha como finalidade o lucro, mas sim resolver as questões da higiene urbana e da reciclagem.
Qual deve ser a principal prioridade do município para os tempos mais próximos?
O Montijo precisa de ter uma gestão diferente, mais virada para os montijenses e que permita a valorização dos trabalhadores. Se estiverem motivados é muito mais fácil a sua dedicação à causa pública. Esta é uma das principais prioridades, não há apenas uma. A frente ribeirinha é também determinante e depois há questões que já extravasam um pouco o Poder Local, como a lei do financiamento local. A transferência de competências do Estado Central para as autarquias sem o devido envelope financeiro… a Educação é um caso gritante. As autarquias estão a ficar com prejuízos enormes. O principal desafio das autarquias é conseguirem reverter esta situação, senão vamos chegar em pouco tempo a situações de autarquias falidas.
A CDU foi a força política que sempre se bateu pelo aeroporto no Campo de Tiro.
Deveria começar já a ser executado, faseadamente.
E o que pode fazer o município para retirar vantagem desse investimento?
Podia ter feito mais alguma coisa. A proposta [de revisão] do PDM foi feita a assumir que o aeroporto iria ser na Base Aérea n.º 6 (BA6), esquecendo a possibilidade do Campo de Tiro. Alertámos para isso na altura…
… O que pensa a CDU sobre a revisão do PDM neste momento?
Não sabemos como está, não nos foi cedida ainda toda a informação que já solicitámos em ralação ao último parecer da CCDR. Sabemos que há pareceres desfavoráveis, mas não conhecemos os motivos. Quando houve a discussão da primeira proposta, levantámos a questão de o PDM estar montado e de que só funcionaria se o aeroporto fosse para a BA6. A própria equipa técnica que executou a proposta dizia isso. Se o PDM não fosse para a BA6, tinha de ser totalmente revisto. Neste momento não sabemos o que as entidades disseram e aquela proposta concreta não resolvia grande parte dos problemas do Montijo.
A mobilidade vai ser aposta da CDU? As ligações dentro do concelho estão resolvidas ou há ainda muito por fazer?
Estão bastante melhores em relação ao que eram antes da Carris Metropolitana. Os autocarros ajudam, mas a Câmara Municipal é que devia de se aproximar das pessoas, ter dependências e uma parte do sector operacional que pudessem funcionar nas freguesias rurais. A questão da mobilidade não resolverá tudo. Os 40 Kms que existem entre Canha e Montijo vão manter-se. Mas a questão do aeroporto pode ser determinante para a melhoria das acessibilidades e a criação de emprego naquela zona. A Carris Metropolitana veio melhorar substancialmente as ligações dentro do Montijo e as ligações a Lisboa. Mas há trabalho a fazer, até na travessia fluvial.
O que a CDU se compromete a fazer para que o Montijo possa evoluir na área da Saúde?
Há muito que a CDU se bate por um hospital novo para a zona de Montijo e Alcochete. É responsabilidade do Estado, mas a CDU se for chamada à gestão da Câmara Municipal tudo fará para pressionar, no sentido de envolver também as populações, na reivindicação dessa necessidade. Se o aeroporto vier para o Campo de Tiro, obrigará a que se construa um hospital, de acordo com a legislação. Esperemos que não esteja aqui nada cozinhado para enviar a construção do aeroporto para as calendas.
A CDU reivindica a construção de uma nova esquadra para a PSP e de um posto para a GNR. O Montijo aumentou muito em termos de população estrangeira. É uma cidade segura? E em termos de habitação, a CDU sente que a Estratégia de Habitação Local dá resposta às necessidades?
Dou um exemplo: a iluminação pública se estiver descuidada gera um sentimento de insegurança nas pessoas. O exemplo do antigo Domus, no Parque Municipal, permitia um sentimento de segurança. A partir do momento em que fecha, as pessoas deixam de utilizar o espaço. Com a iluminação que aquilo tem e não havendo lá nada, ninguém se lembra de ir passear pelo parque durante a noite. A questão da segurança também passa por criar condições urbanas, para criar sentimento de segurança nas pessoas.
Na habitação, a Câmara está a apostar numa estratégia que já se viu que não dá resultado: fazer bairros sociais (gosto mais de utilizar a expressão “bairros de habitação pública”). E o Montijo está a expandir, erradamente, esse modelo, porque vai fazer um loteamento ao lado da Caneira. Depois está a recuperar aquilo que já é seu, há a questão da renda acessível que também nos parece importante.
Mas a questão da habitação não pode ser apenas resolvida pelas autarquias. Mais uma vez o Estado Central demitindo-se das suas responsabilidades passa-as para as autarquias. Em Portugal temos mais casas do que pessoas. O problema é a falta de casas que as pessoas possam pagar.
Está disponível para ser cabeça-de-lista da CDU nas próximas autárquicas?
Estou disponível para ajudar o meu partido naquilo que o meu partido entender.