Pensar Setúbal: Os 50 anos do 25 de Abril de 1974 (Parte XVII): Rui Couto – Militar no Ultramar Português (Angola)

Pensar Setúbal: Os 50 anos do 25 de Abril de 1974 (Parte XVII): Rui Couto – Militar no Ultramar Português (Angola)

Pensar Setúbal: Os 50 anos do 25 de Abril de 1974 (Parte XVII): Rui Couto – Militar no Ultramar Português (Angola)

, Professor
8 Julho 2024, Segunda-feira
Professor

“Os tempos passados na Tropa, no Ultramar e na Guerra, tornam as relações entre nós, relações de uma irmandade pura.”
Rui Couto

Hoje vamos falar de Rui Couto, um grande setubalense e vitoriano, pai da minha querida amiga e colega coralista Susana Couto e avô dos meus alunos Marco e Gonçalo.
Rui Manuel Gomes Couto nasceu em Setúbal, a 11 de Junho de 1941.
Viveu a sua infância e adolescência na Praça Marquês de Pombal, localizada no bairro do Troino.
Efectuou a sua primeira escolaridade na Escola do Viso e a seguir na Escola Industrial e Comercial de Setúbal, concluindo o Curso Geral de Comércio.
Começou a trabalhar com apenas 13 anos de idade na Casa de Crédito Setubalense, e a seguir numa casa de electrodomésticos.
Em 1962, foi chamado a cumprir o serviço militar, tendo feito a recruta em Espinho e mais tarde a especialidade em Torres Novas (escriturário), tendo posteriormente sido transferido para o Montijo, Base Aérea nº 6.
Nesse mesmo ano, foi mobilizado para Angola, para a Força Aérea, tendo chegado a 1º Cabo.
Rui Couto recorda com tristeza a inauguração do Estádio do Bonfim, ocorrida a 16 de Setembro de 1962, pouco tempo depois de ter ido para Angola.
Refere que, não tendo tido contacto directo com situações de guerra, assistiu aos seus efeitos perversos.
Uma criança foi apanhada em fogo cruzado entre militares portugueses e pessoal da FNLA, tendo sido atingido no braço esquerdo; foi posteriormente transportada pela nossa tropa para a enfermaria da Base, onde lhe foi amputada parte daquele membro.
Mais tarde quando teve alta o miúdo não sabia quem era nem sequer sabia dizer quem era a família, tendo continuado na Base, acarinhado por todos os camaradas e mais tarde foi adoptado por um casal em que o homem era militar da Base.
Rui Couto era o elemento de ligação entre a Base Aérea de Negage (AB3 Negage) e as outras bases, efectuando regularmente viagens de avião.
Em 1964, numa das viagens de avião entre a referida base aérea e a Base de Luanda, o avião teve de esperar por uma ambulância que transportava um ferido grave, cuja maca ficou mesmo encostada a Rui Couto durante toda a viagem.
O ferido estava num péssimo estado; cada vez que apanhavam um poço de ar, o ferido murmurava “ai mãezinha que nunca mais te vejo”.
O ferido foi levado para o Hospital Militar de Luanda e mais tarde quando Rui Couto reencontrou o enfermeiro que o tinha levado, soube que o referido militar tinha falecido poucas horas depois de ter chegado ao hospital.
Rui Couto levou consigo uma máquina fotográfica pelo que tem uma colecção apreciável de fotos dessa época que exibe com orgulho.
Quando foi para Angola, já namorava com a sua mulher Josefina, desde 1960, com quem viria a casar em 1966 e do qual nasceram quatro filhos: Graça, João, Susana e Cláudia.
Correspondiam-se através de aerogramas, que ainda conservam com desvelo.
Rui Couto recebia regularmente o jornal “O Setubalense” e mostra-me uma fotografia com o jornal na mão, na companhia de outros dois setubalenses. O jornal chegava uma semana depois e daí que iam tendo sempre informações actualizadas da cidade e do Vitória.
Contou-me estórias do Furriel Calado, do cabo Góis, bem como uma estória de guerra do conterrâneo Leandro Paiva do Monte que Rui Couto redigiu e que nos cativam pela imensa intensidade da narrativa.
Rui Couto esteve 28 meses em Angola, até ser desmobilizado, em Janeiro de 1965.
Em 1980, estabeleceu-se por conta própria numa loja de electrodomésticos, no bairro de Montalvão, até 2004
Desde o primeiro momento que Rui Couto sentiu sempre um sentimento de revolta por estarem lá.
Sempre foi da opinião que a Guerra Colonial era uma guerra errada; à medida que iam surgindo oficiais milicianos com outra formação política, contribuíam para que fossem tendo progressivamente outra percepção perante o status quo e perante a guerra que começou a ser insustentável, consumindo recursos e levando consigo toda uma geração de jovens que ficaram com as vidas interrompidas.
Alguns literalmente.
Actualmente, com 83 anos, Rui Couto reúne-se regulamente com mais dois colegas e amigos, Agostinho Silva e Horácio Piedade e respectivas famílias.
Caro amigo Rui; como sempre, foi um imenso prazer, emoção e privilégio poder estar na sua distinta presença e poder disfrutar da sua inteligência viva, bem como da riqueza e intensidade da sua narrativa.
Um grande Bem-Haja e Muito Obrigado.

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