Qual é a necessidade de trazer o 25 de novembro para o debate político contemporâneo? É que cada vez mais Novembro é usado como pretexto contra Abril. Há muito que a data 25 de Novembro se transformou numa conjunção adversativa. Serve para dizer “25 de Abril, mas…”.
Exaltar o 25 de Novembro tornou-se instrumental no esvaziamento ideológico e no apagamento do conteúdo revolucionário de massas do 25 de Abril. Quem o faz, quer redefinir o 25 de Abril como uma mera reconquista da democracia formal e cimentar a ideia de que qualquer outra coisa que não uma recomposição democrática do regime político, terá sido um desvio às ditas ‘intenções originais’ do 25 de Abril.
Este é o maior perigo que o legado de Abril enfrenta, o de perder a sua raíz revolucionária.
O 25 de Abril foi uma Revolução, um grito do povo contra o fascismo, um povo que ganhou consciência de que a ditadura fascista era também a ditadura do capital. A verdade é que o processo revolucionário português tem como conclusão imediata a liberdade, mas a conclusão coletiva da liberdade foi a revolução popular.
O 25 de Abril fez-se contra a guerra, contra o colonialismo, contra o imperialismo, contra o latifúndio, contra o monopólio. Fez-se contra um regime político, mas também contra um sistema económico opressor.
O povo foi ator da explosão revolucionária. Foi ele quem acabou com a polícia política e a censura, conquistou as liberdades públicas e sindicais e o direito à greve, exigiu justiça entre o capital e o trabalho, fez a reforma agrária, conquistou o salário mínimo, conquistou as férias pagas.
Nas palavras do historiador Fernando Rosas: “Um levantamento popular vindo de baixo, do âmago da condição social dos que nunca tinham tido voz e entravam tumultuosamente na história”. Toda a organização do Estado e a organização social e económica foi posta em causa, desde a organização moral à organização das relações de produção.
Constituiu-se um novo sujeito histórico, de oprimidos e explorados, que se propôs a substituir a ordem social. É isso que constitui uma revolução, a substituição de regime.
Tudo isto faz parte de um processo complexo e disputado, mas um processo democrático que tem uma única data fundadora: o 25 de abril.
O movimento popular não esperou a outorga de um poder dominante. Conquistou por sua iniciativa na rua as liberdades fundamentais antes de elas serem legisladas. A fusão de objetivos económicos e democráticos – queridos pelo povo – colocou no horizonte o socialismo.
Foi este processo na sua vertente revolucionária e armada, baseada na aliança entre o povo e o MFA, que foi travado com o 25 de novembro. Mas não vale ignorar que depois disso ainda houve uma Constituição aprovada em nome do socialismo.
O 25 de novembro foi o que foi. Não vale a pena fazer contra-história. Que tipo de democracia surgiria do nosso processo revolucionário se em vez desta fosse outra data a alterar-lhe o rumo, não sabemos. Inventar um futuro alternativo para Portugal se não tivesse existido 25 de novembro serve apenas a mitologia de uma certa direita que pretende normalizar o Estado Novo na diabolização do PREC.
Esse tipo de fantasia histórica carece de rigor e não esconde a vontade de encontrar uma data alternativa ao 25 de abril, uma história alternativa mais palatável na hora de comemorar. Talvez queira comemorar o 25 de novembro quem sabe que não pode comemorar o 28 de maio.
O 25 de novembro não é a reposição da normalidade democrática nem do suposto verdadeiro espírito do 25 de abril. Não tem essa importância histórica.
O processo revolucionário deixou marcas profundas na democracia portuguesa, desde logo e mais evidentemente na Constituição. Do 25 de abril ficou a liberdade, o pluralismo e uma democracia com direitos e formalmente avançada mesmo num quadro capitalista. Cabe-nos a nós, herdeiros desse legado, preservar o valor revolucionário de Abril.
25 de abril, sempre!