Profissional de 24 anos partilha experiência profissional num mundo onde a inteligência artificial se impõe como “aliada e desafio” e apresenta uma visão prática sobre o presente e o futuro da profissão
Daniel Claro, designer gráfico de 24 anos natural de Alcochete, faz parte de uma geração que está a viver em tempo real a transição tecnológica provocada pela inteligência artificial. Com um percurso profissional iniciado depois um estágio curricular, rapidamente se integrou no mercado de trabalho e aprofundou os conhecimentos com uma licenciatura em Engenharia Multimédia. Actualmente trabalha na área do grafismo televisivo, com responsabilidade em projectos de grande visibilidade, como transmissões de jogos de futebol e cobertura de eleições.
Mais do que o domínio técnico ou a criatividade visual, algo que marca o seu dia a dia é a presença cada vez mais natural e indispensável da inteligência artificial nas tarefas do design. Seja para poupar tempo em edições repetitivas, encontrar referências visuais através de plataformas como o Midjourney, ou expandir imagens com precisão com o Adobe Firefly, Daniel Claro olha para a IA como uma aliada, uma extensão do processo criativo, e não uma ameaça à relevância como profissional.
Em entrevista a O SETUBALENSE, o jovem de Alcochete partilha de forma transparente como a IA está a remodelar a forma como os designers trabalham, mas também como pensa que a criatividade humana continua a ser um factor decisivo e insubstituível. Reflecte sobre a democratização do design, possibilitada por ferramentas acessíveis a quem nunca teve formação, e argumenta que, embora a IA possa produzir resultados surpreendentes, ainda carece do olhar crítico, da intuição e da capacidade de ‘pensar fora da caixa’ que só o ser humano traz para o processo criativo.
Além da experiência no design gráfico, Daniel Claro apresenta também uma perspectiva mais abrangente sobre o impacto da IA na sociedade, destacando avanços importantes na área da saúde e apontando riscos concretos, como o roubo de identidade e o uso desregulado da tecnologia em áreas sensíveis. Com um olhar equilibrado entre entusiasmo e cautela, defende que o futuro da profissão passará por uma maior valorização da originalidade, da direcção criativa e da capacidade de adaptação a novas ferramentas e linguagens.
Para quem está a começar, aconselha que aprender a usar a inteligência artificial é já uma parte essencial do percurso criativo, considerando que quem souber fazê-lo com inteligência e sentido ético estará em vantagem.
Como foi a tua trajectória como designer gráfico?
Comecei a trabalhar como designer gráfico através de um estágio curricular para o Curso Técnico Superior Profissional (CTeSP) de Desenvolvimento de Produtos Multimédia que estava a tirar no momento. Depois de terminar esse curso fiquei a trabalhar na mesma empresa onde estava a estagiar. Ao mesmo tempo que estava a trabalhar z uma licenciatura de Engenharia Multimédia para melhorar os meus conhecimentos na área e quando acabei a mesma continuei lá, sendo que ao longo dos anos fui mudando o tipo/ tamanho dos projectos e o nível de responsabilidades.
Em que áreas ou tipos de projecto actuas actualmente?
Actualmente trabalho em diversos projectos para televisão, desde grafismo para jogos de futebol a eleições. Nestes projectos a minha função passa pela criação e implementação dos mesmos para os nossos programas, de modo que seja possível fazer uma transmissão suave e sem problemas.
Existem áreas que gostes mais de trabalhar?
Actualmente a área de grafismo para televisão é aquela que gosto mais de trabalhar, pois é muito gratificante ver o meu trabalho diariamente na televisão, o que faz com que tenha cada vez mais vontade e gosto para continuar a fazer mais e melhor, pois vejo que está tudo a funcionar bem e dá prazer surpreender de vez em quando os espectadores, com uma inovação gráfica que não estavam à espera.
Como é que a IA impacta o teu dia a dia como designer?
Tem um impacto significativo, muitas vezes tenho trabalhos chatos de remover fundos de imagens e editar fotos para que não tenham falhas e através da IA consigo despachar esse trabalho mais rápido e a maior parte das vezes com melhores resultados do que sem a ajuda desta ferramenta.
Utilizas ferramentas com IA no trabalho? Como é que estas influenciam o processo criativo?
Actualmente utilizo três ferramentas de IA. O Adobe Firefly, que se encontra em todos os programas da Adobe. Neste caso utilizo muito as suas capacidades para fazer ajustes em imagens ou por exemplo expandir imagens, pois com IA da Adobe se tenho uma imagem que precisava que fosse um pouco maior eu consigo fazer com que ela que maior sem grande trabalho, enquanto se não tivesse a IA iria demorar uma eternidade para fazer esse ajuste e possivelmente não iria ficar tão bom como fica com a IA.
O Midjourney utilizo para inspiração. Às vezes estou sem ideias e preciso de me inspirar por isso vou ao Midjourney e peço coisas parecidas ao que eu pretendo e através desta ferramenta consigo ter mais ideias para criar coisas originais e diferentes.
O ChatGPT é a que utilizo menos, mas também é uma ferramenta muito poderosa. O uso principal dele é para me tirar dúvidas de como fazer algo. Às vezes tenho uma ideia do que quero fazer, mas não sei ao certo como o fazer nos programas que tenho disponíveis, por isso peço ajuda ao ChatGPT, para me explicar como posso fazer com que a minha ideia se torne realidade.
A IA facilita ou ameaça a originalidade no design?
Um pouco das duas. Actualmente já vemos a IA a fazer coisas que deixa qualquer um estupefacto com os resultados que consegue obter. Mas no dia a dia, vejo-a mais como uma ferramenta que ajuda na criatividade, e não tanto como algo que substitui.
Acredito que a principal diferença que vamos ver com a IA é que cada vez vai ser mais fácil para qualquer pessoa criar algo com bom aspecto, mesmo com pouca experiência, ou até mesmo nenhuma. Mas para quem já sabe fazer sem, a IA tornase numa ferramenta para continuar a criar coisas originais e arranjar mais uma forma de se destacar. A IA actualmente está muito boa, mas os humanos continuam a ser quem pensa fora da caixa, quem tem ideias novas e originais. E isso, na minha opinião, vai ser a maior diferença que vamos ver daqui para a frente, quer na minha área como em tantas outras.
Qual o teu ponto de vista sobre o uso da IA para criar logótipos, identidades visuais ou peças publicitárias sem envolvimento humano?
A mim parece-me ok, pois muitas das vezes, se não existissem estas ferramentas, muitas pessoas não iriam ter acesso a um design com bom aspecto se não fosse desta forma, visto que grande parte das vezes, a nível monetário, pode ser dispendioso. Foi como disse anteriormente, eu acho que a IA vai ser uma grande vantagem para quem não tem conhecimentos conseguir ter uma coisa com um aspecto muito bom, que de outra maneira não iriam conseguir, mas vão sempre existir designers, pois o aspecto da IA nunca é tão bom como algo feito por um ser humano, existem certos detalhes, falhas e originalidade que a IA não consegue replicar.
A IA vai substituir parte do trabalho do designer gráfico ou que ela veio para complementar?
Veio para complementar. A IA tem ferramentas que nos permitem ser mais produtivos e faz com que não tenhamos tanto trabalho para fazer ‘coisas chatas’, onde muitas das vezes perdíamos tempo. Com a IA temos mais tempo para nos focarmos na parte importante do trabalho, podendo dessa forma entregar coisas com melhor qualidade e com maior rapidez.
O que dirias aos profissionais da área que têm medo da IA?
Para deixarem de ter medo de uma coisa nova e, em vez disso, aprenderem a utilizá-la para melhorar o ritmo de trabalho, de modo a conseguirem fazer coisas melhores. Actualmente o uso destas ferramentas permite que se poupe tanto tempo em coisas simples e chatas que não faz sentido não as utilizar. Só quem é contra é que rejeita que a IA é uma ferramenta que nos ajuda muito e nos permite melhorar a nossa rapidez e qualidade do trabalho.
Já observaste mudanças no mercado de trabalho por causa da IA, como orçamentos mais baixos ou clientes a quererem “fazer sozinhos”?
Actualmente, na minha área em específico, não. Mas isso acontece porque a IA não tem o nível de detalhe e qualidade que os clientes pretendem. Mas noutras áreas acredito que estejam a acontecer essas mudanças.
Qual o maior impacto da IA na sociedade actual?
Acredito que o maior impacto está a ser na área da saúde. Com a ajuda da IA está a ser possível arranjar curas e melhorias na qualidade de saúde com muito mais facilidade. Temos um bom exemplo no caso das curas, a vacina para combater a covid-19 demorou muito menos tempo do que era suposto a ser feito, pois teve a ajuda da IA.
Quais os riscos que vês no uso indiscriminado ou mal regulado da IA?
Os principais riscos acredito que seja roubo de identidade, visto que actualmente já vemos muitas vezes IA a fazer-se passar por outras pessoas através de áudio e vídeo, e quem não tem conhecimento cai muito facilmente nesses truques. Com o avanço da tecnologia pode vir cada vez a ser mais fácil o roubo de identidade.
Já na segurança, uma das coisas que tem de ser muito bem regulada é o uso da IA em armas, pois caso tenha uma falha pode levar à perda do controlo humano sobre armas muito perigosas.
Outro risco acho que seria na saúde, pois acredito que é um dos que tem um maior impacto, mas caso seja mal regulada pode levar à criação de novas doenças e más práticas de saúde, pois a IA pode dizer que uma pessoa tem uma coisa e na realidade tem outra, tudo porque não tinha o conhecimento para diagnosticar a mesma.
E quais as oportunidades ou avanços que mais te animam?
Acho que seria no sector da saúde, pois com a IA vai ser possível arranjar curas para doenças, que há dezenas de anos que se estava à procura. Também acredito que outra grande vantagem seria em detectar uma doença antes de o paciente a ter. Seria uma coisa espectacular se fosse possível numa consulta de rotina normal que IA analisasse o corpo todo de uma pessoa e conseguisse detectar todos os problemas que podiam estar a começar a acontecer, e até mesmo os que estão a acontecer. Por m, acho que no futuro pode vir a haver algo que permita que as pessoas possam ter a alimentação que quiserem, não fazerem exercício e mesmo assim continuem saudáveis e capazes de viver muito mais tempo do que actualmente.
Como imaginas o futuro da profissão de designer gráfico nos próximos 5 ou 10 anos, com o avanço da IA?
No meu entender vai continuar muito parecido com a forma como está actualmente, mas com ferramentas novas e melhorias na qualidade dos resultados obtidos.
O papel do designer vai mudar mais em direcção à curadoria, direcção criativa ou algo novo?
Acho que se vai inclinar ainda mais para a direcção criativa, pois cada vez mais vai ser preciso ser mais original e mais diferente para ter destaque num mercado que possivelmente vai estar saturado de IA.
Que mensagem tens para quem está a começar agora no design e tem dúvidas sobre a influência da IA?
Acima de tudo aprendam a utilizar tudo o que envolva a IA e adaptem para o vosso caso. Dessa forma vão conseguir poupar tempo, obter melhores resultados, e conseguem ainda ter mais fontes de inspiração para fazerem coisas que nunca foram sequer antes pensadas.