Catalin Schitco: “Acredito que a IA nunca ultrapasse o potencial da inteligência humana, porque a primeira é fruto da segunda”

Catalin Schitco: “Acredito que a IA nunca ultrapasse o potencial da inteligência humana, porque a primeira é fruto da segunda”

Catalin Schitco: “Acredito que a IA nunca ultrapasse o potencial da inteligência humana, porque a primeira é fruto da segunda”

Trabalhador da área bancária e financeira considera que a máquina já está a ter efeitos no mercado de trabalho, mas que nunca será capaz de realizar determinadas funções tão bem (ou melhor) que um ser humano

Catalin Schitco, 24 anos, é regulador de política monetária no Banco de Portugal e divide parte do seu tempo entre viagens, poesia e criação de conteúdos para as redes sociais. Ao lidar directamente com o sector financeiro, entende que a inteligência artificial tem vantagens e desvantagens – que podem ou não estar directamente envolvidas no seu trabalho.

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É licenciado em Finanças pelo Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa

(ISCAL) e mestre em Economia Monetária e Financeira pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE).

Assíduo utilizador das redes sociais considera que os donos das grandes plataformas digitais falham em não impedir a divulgação de imagens, textos e áudios adulterados pela máquina. Em entrevista a O SETUBALENSE refere ter uma certeza: que a IA não é capaz de gerar produtos criativos com base nos sentimentos humanos mas sim, como ela própria, com uma “criatividade artificial”.

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Como é que encaras a Inteligência Artificial? És curioso ou é algo que preferes não explorar?

Considero a Inteligência Artificial um dos desenvolvimentos mais fascinantes da nossa era. Num espaço de tempo muito curto, assistimos a uma revolução profundamente estruturante, com impacto transversal em múltiplas áreas da nossa vida. É curioso pensar que, há apenas alguns anos, durante a pandemia, ainda não tínhamos sequer acesso generalizado e automatizado a estas ferramentas.

Não ignoro, naturalmente, os riscos e desafios associados à IA. Mas acredito que é fundamental explorá-la, por duas razões principais: por um lado, para nos mantermos actualizados e não ficarmos para trás num mundo cada vez mais digital; por outro, para desenvolvermos uma opinião própria, informada e crítica, com base no conhecimento real, que advém da utilização destas tecnologias.

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Se queremos contribuir para que a inteligência artificial seja mais justa, equilibrada e responsável, temos de conhecer bem as suas limitações, ineficiências e impactos. Só assim conseguiremos participar activamente na sua regulação e garantir que o seu desenvolvimento está alinhado com os valores humanos e democráticos.

Em suma, acredito que a IA representa uma oportunidade única para o progresso global — desde que usada com ética, consciência e responsabilidade.

Na tua vida, seja pessoal ou profissional, usas ou já usaste alguma ferramenta de IA? Se sim, para que propósito?

Confesso que já utilizei, claro. Apenas na esfera pessoal. Acho bastante útil para planear algumas viagens. Já pedi ao ChatGPT que me sugerisse algumas atracções, ou restaurantes típicos. Mas depois complemento sempre com a minha própria pesquisa e escolho os sítios de acordo com as minhas preferências pessoais. Utilizo muito também para tirar algumas dúvidas rápidas sobre temas sem grande profundidade: por exemplo, qual é a capital de X território, ou quantos anos tem X celebridade, ou como se chama uma determinada peça de um carro. Por vezes parecendo que não, esta forma de pesquisa de informação poupa-me tempo e dá-me informação de forma mais instantânea.

Por outro lado, evito usar as ferramentas de IA para informações mais densas e profundas. Já identifiquei vários erros em temas complexos, e não abdico do meu sentido critico, para julgar e validar as respostas geradas pelos sistemas. Daí achar que é muito importante cada pessoa conhecer as limitações destes modelos automáticos para conseguir identificar bem qual o ponto de equilíbrio, para além do qual, deixa de ser útil e passa a ser prejudicial a utilização de ferramentas de IA.

Por mais que gostássemos, estes modelos ainda apresentam várias fragilidades, produzem informações incompletas ou mesmo erradas e não substituem nem devem substituir nunca o juízo pessoal e humano.

Usar estas ferramentas para criar uma opinião política por exemplo ou pedir conselhos pessoais e psicológicos, é a meu ver errado e perigoso. Por mais parecenças que haja com um humano, é importante não esquecer que se trata sempre de uma máquina, sem empatia e que característica aliás é absolutamente independente da inteligência.

Achas que os jovens estão a utilizar de forma correcta a inteligência artificial?
A IA é uma oportunidade indistinguível para os jovens, e quando usada de forma positiva, uma oportunidade até para o elevador social. Porém, creio que não existe ainda nas escolas uma educação suficientemente sensibilizadora sobre esta temática. E seria importante as crianças e os jovens perceberem tanto as limitações como as oportunidades destas ferramentas. Sem isto, haverá sempre o risco de os jovens utilizarem a IA de forma desadequada. E tenho mesmo receio que isso já esteja a acontecer, sobretudo nas escolas e nos modelos de aprendizagem.

Estudar pelo ChatGPT ou tentar obter resumos através destas ferramentas não só é ineficiente, uma vez que muito provavelmente terá imensa informação errada, descontextualizada ou incompleta, como é eticamente imoral, porque há uma certa apropriação de conhecimento que não resultou de raciocínio empírico e de uma pesquisa consolidada. Outro tópico que me levanta sérias preocupações é a utilização da IA enquanto ferramenta de apoio e aconselhamento psicológico, casos que já ficaram virais em redes sociais como o Instagram ou o Tik-Tok. O que levará alguém a pensar que uma ferramenta de inteligência artificial tem as mesmas capacidades técnicas e profissionais que um profissional psicólogo, que dedicou parte significativa da vida a estudar e a completar a sua formação pessoal e profissional? A resposta é relativamente simples. A facilidade de acesso a estas ferramentas. Há pessoas que preferem aceder a este serviço imediato e gratuito, mesmo sabendo que não é a melhor forma de auxílio, do que pagarem por uns cuidados de saúde mental verdadeiramente comprovados.

Acho que este é mesmo o maior risco da inteligência artificial – expõe as pessoas com menor poder de compra aos maiores riscos de desinformação destas ferramentas. Acho que esta deve ser parte estruturante da sensibilização junto das escolas e dos jovens.

Consideras que estás desperto para os perigos que a IA podem provocar?
Acredito que sim, embora admita que é um processo continuo de consciencialização. Para conhecer os perigos, é preciso entender muito bem a ferramenta. Normalmente quando a utilização de IA mete em causa princípios éticos e normas de conduta, não deve ser utilizada, porque corremos o risco de quebrar a barreiro do bom senso quanto ao que é ou não moral e eticamente correcto.

Por outro lado, algo que me preocupa também é a obtenção de imagens e vídeos amplamente modificados e falsos para tentar manipular a opinião pública. Algo que a meu ver deve ser regulado legalmente para que não tenha implicações sérias, num mundo que já se informa de forma substancial pelos meios digitais.

Num mundo cada vez mais fragmentado com várias tensões geopolíticas, é vital garantir que a inteligência artificial não é utilizada enquanto máquina de guerra e desinformação.

Achas que a IA será capaz de substituir trabalhadores na tua área?

Trabalho no sector bancário, que para o bom e para o mal é um sector, e bem, altamente conservador no que toca à actualização e modernização de processos. Sendo um dos sectores fulcrais enquanto garante da estabilidade macroeconómica, é importante analisar sempre que impactos tem a implementação de ferramentas de IA nos processos rotineiros das instituições, a começar pela protecção da confidencialidade de informação altamente sensível.

Diria que no curto, e até no longo prazo, não anteciparia essa transformação altamente acentuada, se calhar comparando com outras indústrias da economia, no sector bancário. É um sector que privilegia bastante o raciocínio e análise lógica, e creio que isso é indispensável para já. No entanto acho que pode muito bem substituir e melhorar aquele que é o apoio técnico ao cliente e consumidor final, como aliás já acontece no universo do e-banking.

Como é que reages à possibilidade de a IA poder vir a substituir empregos/funções que aos dias de hoje são feitas por humanos?

Reajo com naturalidade. E tenho algum cepticismo em admitir que os substitua na realidade. Quando a internet apareceu, havia também o receio de que isso resultasse em despedimentos colectivos e massivos, e na verdade, verificou-se uma grande transformação dos postos de trabalho e a criação de ainda mais e melhor emprego, com mais condições e mais conforto. Acredito que o caminho seja mais por aí, o da continuação do desenvolvimento tecnológico que promove mais e melhor emprego.

Por mais controversa, que esta opinião possa ser, acredito que a inteligência artificial nunca ultrapasse o potencial da inteligência humana, porque a primeira é fruto da segunda. Acredito que o ser humano estará sempre à frente da máquina, e nunca seja verdadeiramente ultrapassada por esta, porque isso significaria a extinção da humanidade como um todo.

Achas que a IA pode vir a ter impactos futuros no mercado de trabalho?

Já está a ter. O mercado de trabalho já se está a reajustar a essa realidade, e a desenvolver-se nesse sentido. Algumas empresas multinacionais, como perceberam que não podem evitar que os seus trabalhadores evitem a utilização de ferramentas de inteligência artificial no seu trabalho, negociariam com gigantes como a OpenAI, plataformas de pesquisa de inteligência artificial adaptadas às necessidades de cada empresa, com filtros de informação e limitações de submissão de ficheiros para proteger a confidencialidade dos dados de cada entidade.

Isto é o retrato perfeito de como o mercado de trabalho começou já a abraçar estas ferramentas, e a tentar usá-las na maximização da sua produtividade.

Achas que a criatividade corre riscos perante a inteligência artificial?

Sem dúvida. Mas acredito que esse risco é limitado. Eu por exemplo escrevo poesia, e por curiosidade já experimentei pedir ao chat que me ajudasse a escrever um poema. Detestei a experiência. Porque por exemplo a poesia nutre-se de uma criatividade emocional muito própria, que advêm de experiências emocionais e pessoais, ou seja, humanas. Quais são as memórias de um chat de IA? Quais são os seus sentimentos? Não existem, por simples só, não existem. A criatividade gerada pela inteligência artificial, acaba por ser um produto definido exactamente da mesma forma: criatividade artificial. Nunca estará no mesmo nível que a criatividade humana, ácida, e assente em experimentalismos e vivências completamente alheios a uma ferramenta inanimada e intangível.  

Pensas que a inteligência artificial pode ser prejudicial para o jornalismo?

Enquanto cidadão creio que a IA pode ser um concorrente directo e desonesto do jornalismo sério e dedicado. E o jornalismo creio que ganha mesmo mais impulso na defesa de um dos seus maiores propósitos: o combate à desinformação.

É inerentemente possível usar a inteligência artificial no jornalismo no automatismo de processos, mas este deve ser sempre completamente independente da informação automática produzida por este, por mais que a tentação seja grande, num mundo cada vez mais concorrencial. Mas o jornalismo de excelência será continuamente pautado por aqueles que souberem resistir à tentação do fast food informativo, não verificado, e assente em informação não confirmada.

Nas redes sociais, e aos dias de hoje, achas que se identifica facilmente um conteúdo que é produzido por IA?

Cada vez é mais difícil distinguir o que é verdadeiro. Acho que as redes sociais, na qualidade dos seus CEO’s falham muito na prevenção da disseminação massiva de conteúdo produzido por inteligência artificial.

Há redes sociais que já têm selos informativos a acompanhar conteúdo produzido por IA mas muitas vezes os próprios algoritmos das redes socias não conseguem distinguir o que é IA e acho que sinceramente ainda existe um longo caminho a fazer nesse sentido, especialmente juntos dos menores de idade, que acabam por ser os que possuem menor julgamento para distinguir o que é do que não é real.

A IA vem melhorar ou piorar o conteúdo da informação que se consome nos meios digitais?

A minha experiência tem sido negativa. Embora continue a achar que existe um grande potencial, a verdade é que nas redes sociais, tem contribuído para uma maior desinformação do que informação através da geração de conteúdos graficamente modificados.

Por outro lado, nas ferramentas de IA próprias, em que qualquer pessoa pode aceder gratuitamente, creio que existe um maior acesso generalizado de informação a um maior número de pessoas, informação essa descomplicada e suave, sem grande profundidade, mas ainda assim útil.

É muito mais fácil hoje através destas ferramentas tentar encontrar um detalhe sobre algo ou alguém, e isso acaba por liberalizar e tornar mais acessível o acesso à informação. Depende do contexto em que a informação é produzida e utilizada.

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