Uma Mensagem e o jornalismo de soluções

Uma Mensagem e o jornalismo de soluções

Uma Mensagem e o jornalismo de soluções

A equipa do jornal 'Mensagem de Lisboa': Nuno Mota Gomes, Catarina Pires, Ana da Cunha, Ferreira Fernandes, Alvaro Filho, Catarina Reis, Karyna Gomes, Frederico Raposo, Inês Leote, Catarina Carvalho e Stephen O’Reagen. Foto: Rita Ansone

Fundadora e directora do jornal ‘A Mensagem de Lisboa’ escreve sobre a experiência portuguesa da nova tendência do jornalismo, que se chama “Jornalismo de Soluções”, nos EUA, e “Construtivo”, na Europa

Já ouviu falar da Mensagem de Lisboa? Somos um jornal digital feito na Área Metropolitana de Lisboa. Além do que cabe normalmente aos jornais – um lugar de histórias da cidade –trabalhamos com todos para uma melhor cidade.

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A nossa redação está na Baixa de Lisboa, na Rua Augusta; a sede emocional, no café A Brasileira do Chiado (com Fernando Pessoa, inspirador do título, Mensagem, sentado e em bronze, à porta); e os leitores, perdão, os vizinhos, espalhados por aí. Isto sublinhamos o ponto de encontro que queremos ser. Entre a Mensagem e os seus cidadãos há de permeio um computador ou um telemóvel ou uma conversa, mas sempre estaremos o que somos: juntos.

Mensagem é jornalismo com todos os lisboetas, todos, mesmo. Os que cá moram, nasceram e trabalham, os que chegaram e ficaram, os que partiram e aqui deixaram o coração. Contamos o que nos orgulha termos sido e discutimos o que queremos ser para continuar o que somos e até mais e melhor.

Fazemos política, muita e intensamente. A dos transportes públicos e a da bicicleta e a do vaguear. A do lugar do trabalho e a do divertimento. A proximidade do banco para levantar a reforma. A do vizinho que não quer o logradouro desperdiçado e a do cidadão que quer suas as suas ruas e praças. Ah, e a política da extraordinária e, tanta vez, admirável História. Somos um jornal digital, de todos.

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O que queremos ser é vizinhos, nesta cidade, que às vezes parece muito grande e outras parece uma aldeia. É assim que nos vemos, aqui na Mensagem. Como um vizinho com quem pode contar para lhe dizer não apenas o que se passa na cidade, mas o que é a cidade. A quem quase apetece bater à porta a pedir salsa.

Falamos todos os dias desta cidade, próxima e distante. Sufi cientemente pequena para nos cruzarmos com pessoas que conhecemos (mesmo considerando o que se convencionou chamar Grande Lisboa). Por vezes grande demais: há prédios e prédios onde não nos conhecemos uns aos outros. Mas também com movimentos cívicos, vizinhos ativos, mobilização cívica – mesmo de base, da que não tem objetivos políticos. Aqui na Mensagem falámos de movimentos como o da Rua Cidade de Manchester, em Arroios, em que um grupo de vizinhos conseguiu transformar uma rua, que até era inóspita, com uma escadaria, num cantinho familiar. Um sítio onde as pessoas já começavam a não se conhecerem umas às outras, num bairro, o de Arroios, em plena gentrificação, passou a ser um lugar onde já se tratam pelo nome, conhecem-se, deixam-se ficar em dois dedos de conversa. “Sair, conhecer quem passa e sorrir, faz muita diferença!”.

Contar histórias construtivas

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Quando a Mensagem começou, em 2021, houve uma divisão sobre a nossa missão de nos esforçarmos por contar histórias construtivas de Lisboa. Uns confundiam com “boas histórias”, e criticavam a opção. Outros adoravam – lembro o elogio do Nuno Markl sobre “quão incrível pode ser a vida numa cidade como Lisboa”, e como o tínhamos surpreendido, numa era “de tensão e discórdia”.

A empatia, sendo a capacidade que alguém tem de relacionar-se com os sentimentos do outro, de percebê-lo e chegar até ele, é o cimento de uma cidade saudável. E é também o antídoto para muito do que, hoje, ameaça a nossa vida em sociedade. Muitas dessas ameaças começam, por isso, a combater-se aqui, na proximidade das nossas ruas, nos encontros de elevador, na bica ao balcão do café da esquina.

Ao contrário do que nos ditariam as políticas de busca de cliques, rejeitamos polémicas espúrias e tentamos, antes, dar a conhecer o que não se conhece, o outro lado, a parte que nos falta para percebermos o todo. Não é que a polémica esteja proibida. Pelo contrário. Não é o centro das atenções.

Hoje, percebe-se melhor a importância deste jornalismo construtivo. Numa época de polarização, sermos como diz o Dino D’Santiago, radicais da moderação. Congratulamo-nos, por exemplo, ao ver o Público a ser elogiado por mostrar como o Centro para as Migrações no Fundão se tornou um modelo de integração, ou contar como O Jornal do Fundão faz um suplemento bilingue escrito por migrantes.

Quando escolhemos esta linha construtiva seguimos o nosso instinto, mostrando uma cidade viva, que sabíamos existir e era pouco

mostrada. Mas também nos inspiramos numa tendência do jornalismo internacional que se chama “Jornalismo de Soluções”, nos EUA, e “Construtivo”, na Europa. Estamos num acelerador de Jornalismo de Soluções do Journalism Fund Europe. Somos os únicos portugueses entre dez redações, escolhidas entre centenas que se candidataram. Em parceria com o ObiMedia, Observatório de Inovação dos Media, da FCSH-UNL vamos trabalhar com os nossos colegas europeus para encontrar abordagens para “aumentar a confiança dos leitores, a participação da audiência”.

Mas então o que é o Jornalismo de Soluções?

É o “jornalismo que investiga e explica, de forma crítica e lúcida, como as pessoas tentam resolver problemas amplamente partilhados”. Simples? Nem tanto, tendo em conta que até os mais suaves dos jornalistas definem como notícias aquilo que “deu errado”. Ora o que o jornalismo de soluções faz é tentar expandir essa definição: “as respostas aos problemas também são dignas de notícia”. Tirei estas citações do site Solutions Journalism.

Basicamente é isto que os leitores sentem, não é? O cansaço ao ver a 30.ª desgraça no telejornal, o apertar do peito ao percorrer as polémicas do Twitter. Se lerem a Mensagem, podem habilitar-se a um sentimento de esperança com a história do varredor de São Vicente que escrever livros contra ao lixo, ou a relembrar o rapper Beto e o seu trabalho social em Chelas…

O que o jornalismo de soluções faz é complementar a cobertura dos problemas, indo atrás das frustrações das pessoas, mas, ao invés de ficar por aí a resmungar, mostrar como esses problemas já foram solucionados. Mostrar como, por exemplo, outras cidades resolvem os mesmos problemas. E quando as autoridades são confrontadas com possíveis soluções, as “desculpas não são suficientes. E a mudança acontece”.

É isto. Há uma lógica por detrás deste jornalismo e não é “ser fofinho”. Segundo estudos recentes os leitores tendem a evitar menos as notícias quando elas lhes dão a sensação de serem atores de uma história em vez de vítimas de um destino. Ou, como dizia o professor de jornalismo Damien Radcliff e, numa newsletter (Reimagining Journalism: taking a community-centered approach), “cuidar da comunidade, destacar pessoas e grupos interessantes na comunidade, compreender a comunidade local e oferecer soluções para os problemas da comunidade”. É isto.

Não é o que queremos todos?

Catarina Carvalho * Fundadora e directora do jornal ‘A Mensagem de Lisboa

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