27 Abril 2024, Sábado
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PENSAR SETÚBAL: Os 50 anos do 25 de Abril de 1974 (Parte IV): As viagens entre Portugal e Itália

Entre meados dos anos sessenta e o início dos anos setenta, por altura das férias de Verão, mio Padre fazia-nos (a mim e à Mamma) a seguinte pergunta, seguida de votação no ar: “querem ir a Itália de avião ou de carro? Se for de avião (as viagens nessa altura eram caríssimas) vamos em cada 3/4 anos; se for de automóvel, vamos todos os anos.”

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O resultado da votação era unânime; todos queriam ir anualmente. E assim sendo, preparava-se a viatura, arrumava-se a bagagem, marcavam-se os hotéis nos percursos previstos e aí íamos nós os três alegremente.

Saímos de Setúbal de madrugada e logo eramos submetidos à tortura das estradas portuguesas da época; curvas e contracurvas, seguidas de outras tantas, piso em muito mau estado, o que implicava um cuidado acrescido, quer do Papa, quer da Mamma, que nessa altura também já conduzia. Atravessávamos um país com uma agricultura de subsistência com meios técnicos obsoletos.

 

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A fronteira de Elvas com a Espanha era outra perda de tempo. Demorava horas a ser cruzada. Os funcionários da fronteira e os agentes da PIDE faziam uma série de perguntas, algumas indiscretas sobre destino da viagem, motivo, regresso previsto, etc.

A Espanha de Franco era igual ao Portugal de Salazar; estradas miseráveis, atraso generalizado, pobreza visível, país cinzento, amorfo, conformista.

As duas ditaduras peninsulares; percursos comuns.

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Pernoitávamos em hotéis nas localidades espanholas bem perto da fronteira francesa, uma vez que o alojamento gaulês era quase o dobro do espanhol.

O objectivo era partir de Espanha de madrugada, atravessar toda a Provença (dar um salto a Mónaco e a St. Tropez, onde eu vi pela primeira vez mulheres em topless) e chegar ao princípio da noite a Ventimiglia, já em território italiano.

Contudo, quando ultrapassávamos a fronteira e entrávamos em França e, a seguir, em Itália, o panorama alterava-se radicalmente. Campos muito bem tratados, agricultura desenvolvida, auto-estradas largas, restaurantes e cafés adjacentes às estações de gasolina, muitas vezes por cima da auto-estrada, atravessando-a de um lado ao outro.

Quando entravámos em Itália, as formalidades fronteiriças eram muito mais céleres.

A Liguria (região italiana cuja capital é Genova) possui os Alpes Marítimos que terminam de forma perpendicular à linha de costa. Daí que existe um conjunto de vales e montanhas que os italianos transformaram na Autostrada dei Fiori, uma sucessão ininterrupta de túneis (alguns com vários quilómetros de extensão) seguidos de viadutos.

Mais de cem. Ambos. Anos sessenta.

Eu andava sempre de boca aberta.

Quando pensamos que a A1 que liga Lisboa ao Porto foi construída em 1991 e que a A2 que vai até ao Algarve só foi concluída em 2002, não podemos deixar de sentir uma sensação de perplexidade.

Continuando a viagem; atravessámos toda a Itália, Firenze, Roma, Napoli, Monte Cassino, local de batalhas ferozes durante a 2ª Guerra Mundial e por aí abaixo até à ponta da bota.

Aí o carro entrava no barco; o comboio também entrava, para meu grande espanto. Nunca tinha visto tal coisa. Um comboio dentro de um barco.

Atravessava-se o Estreito de Messina e chegávamos à supostamente “atrasada” Sicília.

Só para terem uma ideia, na Sicília já existiam dois aeroportos internacionais (Palermo e Catania) e uma rede de auto-estradas que ligava as principais cidades sicilianas; Palermo, Catania, Siracusa, Agrigento, Trapani.

Anos sessenta, convém lembrar.

Cidades mais desenvolvidas que as nossas.

Nós ainda andamos a discutir a localização do futuro aeroporto.

Os meus familiares italianos falavam-me das colónias portuguesas, referindo que era uma questão de tempo até serem independentes, tal como sucedeu com os territórios africanos sob domínio da Itália: Líbia, Etiópia, Somália e Eritreia.

O tal “Lugar ao Sol” idealizado por Mussolini que terminou abruptamente em 1945, com o fim da 2ª Guerra Mundial.

Quando regressava a Portugal, ouvia os meus professores referir que Portugal, Espanha, França e Itália eram todos iguais em termos de desenvolvimento,  indiciando que nunca tinham saído do torrão luso.

E aí comecei progressivamente a ter a percepção das diferenças abissais entre a Itália e a França democráticas e as duas ditaduras peninsulares.

O 25 de Abril de 1974 veio confirmar essas percepções.

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